Todo
mundo sabe que, na gravidez, a principal preocupação deve ser a saúde da
mãe e do bebê. É um dos poucos períodos da vida da mulher em que
a pressão pelos padrões estéticos diminui um pouco (sim, só um pouco!). É quando
ganhar peso é um dever, evitar produtos light/diet uma obrigação e
quando trocar a malhação por mais horas de sono vira uma decisão
não só aceitável como, muitas vezes, prudente. Seria um momento em
que a pressão pelo corpo perfeito iria embora, em que a estética
poderia ser deixada de lado como meta principal. Deveria, filho, mas
não é bem assim. Até mesmo eu, que luto conscientemente contra
essa pressão social, me vi quase surtando de preocupação com o
espelho.
É sério, filho. Sabe, não me orgulho disso, mas também não tenho
vergonha de confessar. Você
provavelmente sabe, pelas nossas conversas antes de nascer, que minha
briga com a balança foi um dos motivos que adiaram um pouco a sua
vinda. Não era obesa (nem nunca fui) e meu sobrepeso por si só não
impedia uma gravidez. A preocupação principal dos meus médicos era
a nossa saúde. Herdei da família do seu avô um histórico cardíaco
preocupante. Estou acostumada a fazer, desde a adolescência, exames
que só senhoras com mais de 50 anos costumam fazer. Nunca deram
nada, mas sempre havia alguma suspeita a ser investigada (a primeira veio quando eu tinha apenas 4 anos de idade!).
Na Itália, a eterna suspeita foi confirmada. Tenho um válvula do coração que não
fecha exatamente dentro da perfeição. Isso, a princípio, não
significa muita coisa. O médico me disse que é como alguém que
pisa um pouco torto: pode aumentar o risco de torcer o pé, mas eu
posso andar torto a vida inteira sem ter qualquer acidente ou torcer
o pé sem nunca ter andado torto. O único risco real da minha
“condição” é ter mais chance de infecção em caso de
cirurgias, o que é facilmente controlado com uma pequena dose extra
de antibiótico. O problema, o susto real, foi que nessa mesma
bateria de exames descobri que estava com o colesterol nas alturas –
isso, sim, um risco cardíaco enorme. Passei três meses em dieta
radical sem gordura, no país dos queijos, do sorvete e dos
embutidos (e vizinha do país do chocolate). Tudo para o médico
tentar entender o que era alimentar e o que era hereditário. Até
biscoito água e sal e pão de forma (mesmo integral) foram
proibidos. Eu não podia comer absolutamente nada industrializado!
Foi
difícil! Ainda mais com uma Inglaterra no meio do caminho. Mas o que
ninguém sabia (talvez nem mesmo eu tivesse ainda me dado conta) é
que eu também enfrentava problemas com a comida, filho. Tinha
aprendido a engolir minhas emoções com ela. Tinha (ou tenho ainda –
me vejo às vezes como uma alcoólatra em recuperação) compulsão
alimentar. Foram 3 anos tentando entender, superar e controlar tudo
isso. Não era um transtorno grave, nada tão fora do controle assim, mas ele existia. A dieta melhorou meu aspecto na balança, mas o colesterol
continuou alto: era familiar e a comida só potencializou o problema.
Tentei dietas mais ou menos radicais, investi em exercícios e passei
por momentos de controle e descontrole alimentar (a adaptação na
volta ao Brasil não foi fácil e virou desculpa para muitos
exageros). Meu cardiologista e meu ginecologista recomendaram adiar o
sonho da gravidez por alguns meses. Queriam que eu tentasse perder
algum peso e investir em fitoterápicos para diminuir um pouco o
colesterol, que já não era mais tão alarmante quanto na Itália,
mas que continuava muito alto.
Foram meses e meses de tentativas,
sempre me pediam mais três meses, e mais três, e mais três meses.
Paralelo a isso, minha alergia inexplicável voltou (hoje vejo como
era emocional) e ninguém descobria o porquê. Minha nutricionista,
que focou muito mais na minha relação com os alimentos do que na
balança (e não proibia absolutamente nenhum tipo de comida) decidiu
me passar uma dieta detox radical. Tudo para termos certeza absoluta
de que a alergia não era alimentar: 40 dias sem glúten (graças a
Deus não era isso!!!), 15 dias sem lactose, 10 dias sem qualquer
açúcar ou produto industrializado. Que prova! E para que? PARA
NADA!!!! Dois anos se passaram e meu peso não se alterou (baixou e
subiu um pouco e por várias vezes, permanecendo praticamente o
mesmo). E nenhuma das ervas, chás, comprimidos ou homeopatias
fizeram meu colesterol chegar os níveis considerados normais. E
você, filho, esperando! Foi muita frustração acumulada!
Todos
os profissionais que me acompanhavam chegaram a mesma conclusão: vai
engravidar! Como assim? Se fosse para engravidar gordinha e com
colesterol alto, não poderia ter feito isso há 2 anos? Meu
cardiologista disse que estava satisfeito com o fato das taxas terem
se tornado estáveis, mesmo que ainda um pouco altas e me alertou que meu
caso era de remédio para o resto da vida, mas que era melhor começar
com eles só após a gravidez. Meu ginecologista disse que o
sobrepeso exigiria um controle maior durante a gestação, mas que o
colesterol não era, para ele, uma notícia necessariamente ruim –
explicou que ele é matéria-prima da placenta e que a gravidez
poderia até ajudar! Já a nutricionista reconhecia que não era a
situação ideal, mas acreditava que a ansiedade e o estresse por
adiar a gravidez eram mais preocupantes como gatilhos para a
minha compulsão. “Você precisa engravidar logo”, brincou.
Pronto!
Tinha minha carta de alforria. E você apareceu rapidinho! Que
alegria! Sabe, filho, eu odiei esperar esse tempo todo. Mas Deus sabe
mesmo o que faz. Foram dois anos muito intensos, de muitas
transformações. Eu e seu pai não somos mais os mesmos como casal.
Eu não sou a mais a mesma como pessoa. Acho que estamos mais preparados para receber você agora. Mesmo assim, eu preciso confessar uma coisa meio feia.
Quando me vi, finalmente, grávida, a alegria e o alívio foram
rapidamente substituídos por um certo pânico. Pior: um pânico
estético!! Eu tinha engravidado com o maior peso da minha vida!
Simplesmente 10 quilos acima do que os médicos consideram saudável
para a minha altura e 15 kg (SIM, QUINZE!!) a mais do que quatro anos
antes, quando fiz a primeira dieta da minha vida, no final de 2010 – um dos raros momentos da vida em tive um peso na balança de que me orgulhava. Como eu engordo
mais concentrada na barriga e quadris e como também não uso roupas muito
justas ou decotadas, meus amigos juram que eu exagero nesses números.
Mas eles são reais, filho! Garanto em seu nome!
(Como essa carta ficou muito grande, ela foi dividida em dois posts. Não deixe de conferir a sua continuação!)
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