Filho, hoje eu resolvi fazer essa
gravação para tentar tirar da minha cabeça uma carta e uma dúvida que está me perturbando há
muitas e muitas e muitas semanas, talvez meses: a sua
amamentação. Ou melhor, o seu desmame. Esse assunto é muito polêmico e como
agora nossas conversas são um pouco públicas, graças
ao seu blog, eu espero sinceramente não ofender ninguém. Eu só preciso
desabafar um pouco sobre o quanto tudo isso é difícil, filho. O quanto é
difícil decidir continuar ou não amamentando você.
Você fez um ano. E para uma boa
parte da população brasileira, você já mamou muito tempo. Tempo demais! E se
você contar que a média de amamentação no Brasil não chega a 60 dias (acho que
são 53 ou 54), chegamos a um excelente número. Nossa, está bom, né? Mas tem uma
outra parte da população que defende a amamentação prolongada e mostra os benefícios dessa prática. E é bom colocar que nesse
time temos o Ministério da Saúde, a Organização Mundial da Saúde e vários
órgãos internacionais da saúde da criança. Então, vamos combinar, né? Essa é
uma opinião que merece e precisa ser levada em conta. Para esse time, a
amamentação deve acontecer por, NO MÍNIMO, 2 anos. Isso significa dois anos ou
mais. E muita gente desse time defende, com ótimos argumentos e muitos deles
científicos, que o desmame natural na espécie humana aconteceria entre 2 e 3
anos e idade. E que poderia, em alguns casos, já que quando falamos de 2 ou 3
anos estaríamos falando de média, em alguns casos poderíamos chegar de maneira
saudável aos 4 anos de idade. Para mim, é muito. É muito chegar a 3 ou 4 anos.
Mas eu estava, sim, disposta a te amamentar até os 2 anos. Mas alguma coisa
dentro de mim dizia que os 2 anos seria o máximo, e não mínimo. Mas isso uma
opinião puramente pessoal, uma sensação.
Só que neste momento da minha
vida eu estou em um conflito enorme, sem saber o que fazer, simplesmente porque
não existe uma resposta certa. A verdade é que eu estou amando amamentar, eu acho uma
delícia amamentar. Não é mais pesado, não é mais o dia todo, é uma parte
pequenina do nosso dia e está tudo bem (e já já explico esse tudo bem). Mas
tem um lado meu que não aguenta mais, filho! Eu já estou de saco cheio. Estou
de saco cheio de muitas coisas, mas o principal é a dieta. Você tem alergia à
proteína do leite, acho que já comentei isso. E também tem alergia a ovo. E
como eu ainda amamento e essas substâncias passam pelo leite materno, eu
preciso fazer uma dieta muito, muito radical. Isso inclui não comer nenhum doce que leve leite condensado ou creme de leite, nem um pedacinho de leite, nada
que tenha manteiga (ou mesmo margarina, já que margarina tem leite), não comer alguns
embutidos como salame, mortadela ou mesmo algumas marcas de presunto. Evitar
praticamente qualquer coisa que venha num pacote: biscoito, bolos, chocolate, comidas prontas...
É difícil para mim, filho, é muito difícil para mim. Primeiro, porque como
mamãe admite, eu sou fresca para comer e já tem um monte de coisa que não gosto
de comer normalmente ou que tenho dificuldade para comer. Segundo porque eu
também estou fazendo um tratamento pessoal de saúde, por conta do meu instestino, e isso me colocou
outras restrições alimentares que incluiu até alguns tipos de frutas. Sim, tem
frutas que eu não posso comer. Tem legumes que eu não devo comer. E quando você
coloca essas três restrições na balança, sobra muito pouco. Mais do que isso, a
vida social fica muito difícil.
Eu sou uma pessoa social, eu gosto de viver em bando, eu gosto de participar de festas. Festas geralmente envolvem comida e eu não posso comer nada. Isso requer uma força de vontade muito grande, uma série de explicações e chateações, além de uma certa logística e organização em casa. Eu já fui, sei lá, em 4 ou 5 festas em cerimonial infantil em que tudo o que eu poderia comer era o kibe e a pipoca. E isso porque, graças a Deus, você não reage a traços e eu ainda posso comer fora de casa. Então se a festa é às 4 da tarde, eu almoço e só vou comer de novo 8, 9, 10, 11 da noite. Eu tenho “passado fome”, filho, constantemente (coloco entre aspas porque acho injusto me comparar com quem não tem o que comer, mas na prática eu fico mesmo morrendo de fome sem poder comer até chegar em casa). Por que tem hora que não dá. Não dá para me organizar para levar um lanchinho, não dá tempo de passar na loja vegana e comprar um biscoito especial sem leite para colocar na bolsa, tem hora que não dá para parar as atividades do dia a dia ou deixar de correr atrás de você para comer uma fruta com calma. As opções são muito limitadas e é muito difícil. Eu me sinto tão mesquinha falando isso, mas a verdade é que, poxa, eu quero comer um brigadeiro, eu quero comer um pedaço de pizza! Eu quero comer um pão com manteiga! Uma coisa tão simples como um queijo quente. Um pedacinho de queijo. Colocar um queijo ralado em cima do macarrão. Ou comer uma lasanha. Um capelletti, uma massa com ovos! É tudo muito restrito, filho. E eu cansei. Eu cheguei um pouco no meu limite.
Eu sou uma pessoa social, eu gosto de viver em bando, eu gosto de participar de festas. Festas geralmente envolvem comida e eu não posso comer nada. Isso requer uma força de vontade muito grande, uma série de explicações e chateações, além de uma certa logística e organização em casa. Eu já fui, sei lá, em 4 ou 5 festas em cerimonial infantil em que tudo o que eu poderia comer era o kibe e a pipoca. E isso porque, graças a Deus, você não reage a traços e eu ainda posso comer fora de casa. Então se a festa é às 4 da tarde, eu almoço e só vou comer de novo 8, 9, 10, 11 da noite. Eu tenho “passado fome”, filho, constantemente (coloco entre aspas porque acho injusto me comparar com quem não tem o que comer, mas na prática eu fico mesmo morrendo de fome sem poder comer até chegar em casa). Por que tem hora que não dá. Não dá para me organizar para levar um lanchinho, não dá tempo de passar na loja vegana e comprar um biscoito especial sem leite para colocar na bolsa, tem hora que não dá para parar as atividades do dia a dia ou deixar de correr atrás de você para comer uma fruta com calma. As opções são muito limitadas e é muito difícil. Eu me sinto tão mesquinha falando isso, mas a verdade é que, poxa, eu quero comer um brigadeiro, eu quero comer um pedaço de pizza! Eu quero comer um pão com manteiga! Uma coisa tão simples como um queijo quente. Um pedacinho de queijo. Colocar um queijo ralado em cima do macarrão. Ou comer uma lasanha. Um capelletti, uma massa com ovos! É tudo muito restrito, filho. E eu cansei. Eu cheguei um pouco no meu limite.
Eu tinha esperança que quando
você fizesse um ano que as coisas pudessem melhorar, pois eu sei que muitas
crianças a partir de 1 ano já começam a ter menos reações alérgicas. Então eu
resolvi fazer um teste recentemente, há umas duas semanas. Eu comi um pouco de
docinho e bolo no seu aniversário e depois fui a um casamento, uma semana
depois, e comi queijo e um pouco dessas massas que levam queijos e manteiga. E foi uma tragédia. Você teve crises e crises de cólica. Berrou de dor
todos os dias durante mais de 1 semana!! Ainda está meio empolado, ainda está
cheio de gases e o casamento
já foi há duas semanas. Foi horrível, filho. Horrível do tipo que me deixou deitada no quarto escuro em posição fetal
chorando de me acabar, remoída pela culpa, me sentindo o ser humano mais egoísta
do mundo por ter provocado tanta dor ao meu filho por causa de um docinho. E
parece muito pequeno e muito egoísta da minha parte parar de amamentar só por
causa disso. Por causa de comida!!! Eu vou deixar de dar ao meu filho o melhor
alimento que existe por causa de comida?? E uma comida nada saudável, que nada me acrescenta??
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Olha, eu que fiz!! Quanto orgulho... |
A outra coisa que eu percebo é
que temos grandes chances de fazer o que se chama de “desmame natural” nos
próximos meses. Você gosta de comida. Você quer comida, você quase não pede
mais o peito. O peito agora é um momento tão pequenininho do nosso dia. Eu
percebo que você não liga mais tanto para o peito. Hoje em dia você mama, em
média, duas a três vezes por dia. Você mama na hora de dormir, de madrugada uma única vez, e mama ao
acordar. Mas está cada vez mais comum essas mamadas serem cada vez mais curtas,
mais rápidas, e cada vez mais frequentemente você pula alguma dessas mamadas. Nas
últimas semanas você tem mamado só duas vezes por dia. Ou você pula a da
madrugada e dorme a noite toda, ou mama de madrugada e não pede de manhã. E às
vezes você mama poucos segundos antes de dormir, só para fazer aquela
chupeitadinha para se acalmar antes de pegar no sono. Então eu percebo que se
eu continuasse talvez eu conseguiria fazer até o fim do ano esse desmame
natural.
Acho que esse texto vai ficar um
pouco confuso porque eu preciso falar dos prós e dos contras. Então vamos
devagar.
Sabe, filho, para algumas crianças da sua idade, o leite é a base da alimentação, seja porque têm dificuldades de acesso a nutrientes ou porque são muito seletivas no comer. Nesses casos, o leite é muito importante do ponto de vista nutricional. Mas você está comendo bem, você não tem nenhuma doença ou problema de saúde mais grave e você gosta de comida. Se tudo vai bem, como está indo, neste segundo ano de vida, entre 1 e 2 anos de idade, o peito passa a ser mais um conforto e uma necessidade de lidar com sua necessidade de sucção (que é real) do que um alimento em si. Então, muitos psicólogos defendem que neste momento eu, como mãe, comece o processo de ensinar você a ter outras formas de consolo, a se acalmar sozinho. Que eu procure desenvolver um pouquinho mais essa autonomia, mostrando que existem vários caminhos possíveis para esse consolo/conforto. Às vezes pode ser o peito, às vezes pode ser no cobertozinho, às vezes com uma musiquinha, às vezes só com o colinho, e com isso, aos pouco, você vai largando o peito porque vai aprendendo outras formas de se acalmar. Segundo esse linha, quando o peito é única e exclusivamente uma forma de se acalmar, à medida que você vai aprendendo outras formas, vai precisando menos do peito e diminuindo as mamadas. E eu acho essa abordagem muito mais humana, mais amorosa e mais ideal do que chegar numa idade qualquer e dizer “não aguento mais, a partir de hoje vou tirar o peito, vou passar limão, vou colocar um 'band aid' e dizer que está machucado, ou vou deixar chorar por três dias" - ou qualquer uma dessas tentativas desesperadas que algumas mães fazem e que eu provavelmente apelaria também se a gente não conseguir fazer isso de uma maneira natural (e sem julgamentos aqui).
O fato é que eu gostaria muito que você não estivesse mais no peito aos 2 anos de idade. Que me chamem de egoísta, mas eu queria poder passar uma noite fora com o seu pai, ou sair com as amigas sem me preocupar com que horas estou voltando porque você pode acordar querendo mamar e você não mama outro leite. Eu gostaria de fazer uma viagem e nela poder comer qualquer coisa, não ficar carregando uma lata de atum debaixo do braço. Eu queria. Podem me chamar de egoísta, mas eu queria que isso acontecesse até seus dois anos. Vou ser muito honesta e muito sincera, eu gostaria que isso acontecesse bem antes. Nos próximos meses, até o fim do ano.
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AMO essa cara de
"mamado" pós-peito
|
Outra coisa que deixa de
consciência pesada é que... leite e ovos, principalmente leite, não é algo que
me faz falta. Pelo contrário, é algo que estava me fazendo mal. Foi quando eu
cortei leite e derivados pela primeira vez na vida que meu colesterol voltou ao
normal, filho!!! Eu continuo comendo um monte de coisa gordurosa e meu
colesterol pela primeira vez em, sei lá, em 6 ou 8 anos, voltou ao normal. É a
primeira vez que estou emagrecendo sem controlar a quantidade do que eu estou comendo e
sem tirar os doces da minha vida, comendo sempre que eu tenho fome e sempre que
eu quero. E eu voltei para o meu peso normal!!! Antes de engravidar eu estava
com 68 quilos e fiz várias tentativas de reeducação alimentar, de aumentar
atividade física, de controlar os doces e até mesmo de dieta restritiva para
voltar ao meu peso saudável. E nada. E agora estou com 60 quilos!!!! Comendo
pipoca doce toda semana, comendo bala todos os dias. Não que isso seja saudável
e que não queira mudar isso. Mas a dieta me mostrou o impacto que o leite e os derivados
(especialmente o leite condensado) fazem na minha saúde. E ficar sem está me
fazendo bem. Esteticamente e em relação à saúde. E, de repente, eu vou querer
abrir mão de tudo isso só porque eu quero comer doce?? Quer dizer, eu vou
deixar de te dar algo muito saudável porque eu quero ser menos saudável? Será
que é isso? Isso é uma opção? Ai, que dúvida!!!
Eu acho filho que, sinceramente,
eu vou ficar muito frustrada de ver que eu tenho leite, que você está se
desenvolvendo bem com o meu leitinho, e ver você mamar uma mamadeira de leite
artificial porque eu quero comer um brigadeiro!!! Por que eu quero comer
pizza??? Isso me parece tão mesquinho, parece um motivo tão idiota que eu não
consigo me conformar. Eu não consigo me aceitar. Eu iria me sentir muito
culpada, muito frustrada. E aí, quando você coloca tudo na balança, a sensação
que fica, a desesperadora sensação que fica, é a de que não existe opção boa,
que todas as opções são ruins. Que eu vou
me sentir mal com qualquer uma das opções, continuar ou não continuar
amamentando.
(suspiro)
É difícil, filho. Desmamar ou não desmamar?
O pior é que eu não sei como desmamar! Não sei como fazer isso de uma maneira que não seja muito radical ou muito traumática. Eu não vou consegui enfrentar horas e horas do seu choro porque você quer o peito e eu não vou dar. Eu não vou saber fazer isso. Eu queria um meio termo. Então eu tomei algumas decisões. Eu vou evitar dar o peito sempre que for possível. Então, é difícil até falar. Então eu não vou mais oferecer o peito. A ideia minha e do seu pai é que de hoje em diante eu vou sempre esperar você pedir. Não vou oferecer o peito. Primeiro, vou sempre tentar ninar, tentar fazer alguma outra coisa para te acalmar, te consolar de outro jeito, e só realmente se você não conseguir eu vou te amamentar. Acho que assim a gente vai diminuindo aos poucos. Eu quero conversar com uma nutricionista para ver como introduzir o café da manhã para você, para tirar essa mamada da manhã, que eu acho que deve ser a mais fácil. E vou tentar ir aos poucos. Quero também ver se consigo conversar com um alergista para ver se eu e seu pai conseguimos fazer a reintrodução do leite aos pouquinhos para que, pelo menos de vez em quando, em condições muito moderadas e em porções pequenas eu possa ir voltando a comer leite. Tem algumas linhas que defendem que eu vá comendo bem pouquinho e de forma bem regular, em vez de fazer como eu fiz no casamento quando eu chutei o balde e enfiei o pé na jaca. Vamos ver.
Não sei como terminar essa carta.
A verdade é que existem mil possibilidades. E essa é uma decisão que só eu
posso tomar. Nem mesmo o seu pai pode tomar por mim, mesmo o papel dele sendo
tão importante neste processo. E não importa o que as pessoas dizem, é algo que
eu preciso perceber como eu me sinto. O que é melhor para mim. Por que eu
realmente acredito que eu não posso simplesmente fazer única e exclusivamente
aquilo que é melhor para você. Por que se eu não estiver bem, isso não vai te
fazer bem. Se for para continuar amamentando magoada, ressentida, frustrada,
brava, talvez seja melhor parar. Por mais que nutricionalmente, biologicamente
ou psicologicamente fosse melhor continuar. E é muito difícil tomar uma decisão
dessas. Por que eu me sinto muito triste de continuar com uma vida tão restrita
assim. Eu estou cansada. Eu estou precisando de um tempo, de uma folga. Mas
tudo isso me parece motivos muito egoístas e eu acho que me sentiria muito
culpada. Prometo escrever outro dia para dizer como tudo isso terminou. Neste
momento, eu só posso registrar uma decisão: a minha indecisão. Indecisão por
ter tantos bons motivos para continuar e para parar e tantos motivos negativos
que poderiam justificar parar e continuar. Jesus! Se Shakespeare fosse mulher,
com certeza a frase de Macabet seria “desmamar ou não desmamar, eis a
questão!”
23 de junho de 2016 - 1 ano e 24 dias
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