quarta-feira, 22 de março de 2017

Ainda precisamos falar sobre o desmame

Postado por Mãe do André às 18:00
Você, aos  7 meses, mamando
e passeando #orgulho
E então eu estou aqui de novo, acordada de madrugada, mesmo depois de um dia de cão, em que eu fiz contagem regressiva para a hora de dormir desde às 2 da tarde. Você está com 4 dentinhos nascendo, André, e seus gritos de dor, febre, irritação e o seu sono picado deixaram seu pai e eu exaustos esta semana. E, no entanto, estou aqui. Mais uma vez me debatendo por causa do seu desmame. Agora ele é uma indicação médica e o tal "motivo sério" e "justificável' que eu tanto procurei nas últimas semanas apareceu. E não trouxe nem a calma, nem o alívio que eu esperava. Piorou foi tudo de vez.

Lembra dos mil médicos e esquisitices que a mamãe vinha tendo? Então, como resultado eu tive dois diagnósticos diferentes. Um sobre um mal funcionamento do intestino que, como já havia dito na outra carta,  me trouxe ainda mais restrições alimentares (eu cuspi na cruz, só pode!!). Consequência dos hormônios da gravidez. O outro, a descoberta de uma pequena mas assustadora perda auditiva, no ouvido esquerdo. Assustadora porque eu sou muito nova para a genética explicar isso (seu avô tem  problemas de audição e o seu bisavô também tinha). É algo que não tem muito o que fazer, só mesmo acompanhar de perto nos próximos anos. O problema mesmo é que ela veio acompanhada de um zumbido enlouquecedor. Imagine ter eternamente um mosquito rodeando seu ouvido!!! Uma campainha que nunca para de tocar! É assim, 24 horas por dia, 7 dias por semana! DESDE JANEIRO! Pois é! Com o tempo desenvolvi técnicas para ignorar esse zumbido, mas às vezes é impossível e tem horas que acredito de verdade que vou perder a sanidade mental. Muitas vezes ele atrapalha o dia a dia, me faz confundir sons, ter dificuldades de identificar o que é dentro e o que é fora da casa, e faz alguns desses sons, como o seu choro estridente, reverberar dentro de mim (parece uma microfonia interna, é de pirar!!!). A médica tentou alguns medicamentos, fitoterápicos, manipulados, tudo sem muito efeito. O zumbido continua. E, na última terça-feira, ela me deu uma notícia meio bombástica: ela já esgotou todas as possibilidades de tratamento compatíveis com a sua amamentação. Precisa passar remédios mais fortes. Quer que eu desmame você. E quanto antes, melhor! Que dor!!

Sabe, por um lado, era tudo o que eu queria ouvir. Estava conversando com sua tia na sala de espera sobre como eu estava no limite por conta das restrições alimentares. Sobre como eu queria parar de amamentar agora, só por causa disso, e sobre como eu me sentia egoísta por querer interromper algo tão saudável e gostoso por um motivo tão "fútil". Bem, se eu queria um motivo melhor, mais do que a minha saúde fica difícil, né? Pensei que eu ficaria aliviada, que seria a motivação que eu precisava para tomar coragem e iniciar oficialmente esse processo no qual venho pensando há meses. Mas nada do tal alívio aparecer. Não me sinto nada motivada. Agora temos um prazo, real e importante, e isso só aumentou minha ansiedade.

Eu disse à médica que não queria fazer um desmame brusco, de um dia para o outro. Não gostaria de, do nada, enfiar uma mamadeira na sua boca e dizer que o leite acabou, que o peito está "dodói", passar limão, café ou algo do gênero. Acho que são "técnicas" para situações muito extremas e eu e você ainda não chegamos a esse ponto, filho. Tinha uma esperança enorme de fazer um desmame gradual e natural. Você quase não mama mais. São apenas duas ou três vezes por dia. Troca fácil o peito pelo prato de comida. Gosta de comida. E faz cada vez menos questão do peito. Eu acreditava de verdade que com algum incentivo você poderia largar o peito por vontade própria, em alguns meses. Não tenho mais essa certeza.

Freud explica, mas passei a desconfiar que você passou a pedir peito durante o dia também, coisa que não faz há meses. Li relato de crianças de 1 ano e 4/5 meses que passaram a mamar mais e especialistas explicando da grande necessidade de sucção nessa fase. Vi pessoas muito sérias falando que qualquer desmame antes dos 2 anos é considerado precoce e não deve ser incentivado. E agora temos um prazo. A médica topou esperar por um desmame gradual, mas recomendou que eu não demorasse muito porque quanto mais tempo passar mais difícil fica o tratamento. Comentei que meu sonho era que você desmamasse até o fim do ano e ela disse que esse era um prazo aceitável. Deixou claro que respeitaria se eu quisesse amamentar até os 2 anos, que sabe dos benefícios, mas que ela não recomenda para o meu caso. O ideal mesmo é desmamar até o fim do ano e, de preferência, até mesmo antes se eu conseguir. Mas... e se você não largar o peito sozinho até lá??? E se ainda tiver necessidade desse conforto, desse contato? Eu vou fazer o quê? Vou desmamar a força? Ou vou bancar o risco à minha saúde e prolongar o prazo?

Eu comecei a fazer uma lista mental de todas as coisas boas que o desmame iria me trazer: do brigadeiro e do pão com manteiga, à uma vida social menos esquizofrênica. De uma noite inteira só eu e seu pai à uma logística de volta ao trabalho bem mais simples. Da normalização dos meus hormônios ainda enlouquecidos à uma vida "mais minha" novamente. Coisas com as quais eu sonho há meses! E, mesmo assim, nada me consolou. Nada me motivou. Comecei a conversar com você sobre como o leitinho da mamãe vai acabar, como você não vai mamar para sempre. Sobre como
Eu, descabelada e exausta, quando
amamentava de hora em hora em hora
você está crescendo e vai cada vez mais comer e beber coisas diferentes. E eu senti uma pontada no coração. A verdade é que eu gosto de amamentar. Gosto desse tempinho só nosso, de aconchegar você nos meus braços, segurar sua mãozinha enquanto você esfrega os pezinhos no meu braço e acaricia meus dedos. A verdade é que amamentar agora é fácil, simples, não exige muito. Você mama pouco, por pouco tempo (está cada vez mais eficiente) e quando quer só um denguinho fica feliz só como meu colo, sem o peito. Amamentar é prático, eu não tenho que carregar, limpar, esterilizar mamadeiras, nem gastar rios de dinheiro com leite artificial. Amamentar é cômodo. Com 5 minutos de peito eu acalmo você e consigo fazer você dormir de um jeito rápido e fácil, que não exige dezenas de minutos de cantoria, andanças pelo quarto ou braços dormentes de tanto colo (como acontece nas sonecas do dia). 

Mesmo assim, eu quero. Eu quero desmamar. A verdade é que eu quero encerrar esse ciclo, mas tenho medo. Dá uma dó, uma espécie de luto porque é um marco muito grande: você está crescendo e se desligando de mim! Do único momento exclusivamente nosso, da única ação que não pode ser substituída por seu pai ou suas avós. Tenho medo porque sei que pode ser muito difícil. Por que não sei se você está realmente pronto e se eu estarei pronta para bancar essa decisão custe o que custar. A verdade nua e crua, filho, é que eu tinha um sonho de amamentar você até você não querer mais, até você decidir que chega, que não precisa mais. Eu sonhava em nunca ver você com uma mamadeira, não por que isso me faça menos ou pior mãe, mas simplesmente porque me parece um pouco incoerente fazer introdução de bico e leite artificial a poucos meses de você ter uma idade em que poderia passar diretamente para o copo. Eu tenho medo e me sinto perdida porque não sei até que ponto a mamadeira é realmente dispensável e porque não quero dificultar as coisas para você por um orgulho bobo: eu percebi que realmente me sentiria derrotada em te dar uma mamadeira. É, derrotada. Porque você chegou até aqui sem precisar dela. Porque eu ainda tenho leite. Porque eu não tenho nenhuma dificuldade para amamentar você. E porque essa mamadeira representaria apenas que você ainda tem uma necessidade de sucção. Necessidade que meu seios supririam de uma maneira bem melhor.

E o pior é que tudo isso pode ser uma grande bobagem, pode ser que você realmente largue o peito nos próximos meses. Só que eu não sei. Eu estou num limbo, sem informações confiáveis e sem muito apoio. Parece que ninguém me entende e que eu estou sozinha. De um lado, pessoas que acham tudo isso um grande drama, que é uma besteira essa história de amamentação prolongada, que um ano já está de bom tamanho ("mais do que excelente") e que dão dicas para um desmame forçado com técnicas um tanto quanto agressivas ("ele vai chorar por 2 ou 3 dias, no máximo") ou com justificativas esdrúxulas como "ele não vai morrer por causa disso".  Do outro, ativistas da amamentação que dizem que qualquer coisa abaixo dos  2 anos é desmame precoce, que listam os riscos e malefícios que você pode ter se ficar sem meu leite e que só dão dicas e técnicas para um desmame gradual aplicáveis a bebês que já falam ou se comunicam minimamente bem. A gente não se encaixa em nenhum dos dois extremos, André.

Como é difícil tomar qualquer decisão na maternidade. Porque as consequências não dizem só respeito a mim mesma e porque nunca existe consenso sobre nada. Nunca um caminho é O melhor, O certo, A opção com mais vantagens. Em qualquer assunto ligado à criação de filhos, qualquer decisão vem acompanhada com lista enorme de vantagens e desvantagens, de variáveis e "se's" infinitos, de muitas possibilidades e quase nenhuma certeza, o que só alimenta o medo enorme de errar - mesmo que nós, pais, saibamos que o erro é inevitável. Inevitável, eu sei!

Minha única certeza neste momento é que você vai desmamar, filho. E que nossa despedida começa agora. Se esse processo vai levar alguns meses ou 1 ano, eu não sei. Se vai ser gradual como eu sonho ou brusco como eu temo, eu não sei. Se eu vou esperar ou acelerar também não tenho ideia. Sei que quero aproveitar muito nossos momentos juntos, como se fossem os últimos - porque são mesmo, de certa forma. Quando você acordar de madrugada ou resolver começar o dia ainda no breu da noite, eu não vou mais reclamar do sono ou do cansaço. Vou te abraçar bem forte, com todo o amor que tenho em mim, tentando aproveitar cada minuto, numa interminável despedida. Não sei quando será a última vez, mas é um processo de despedida, sim. 

Você mamando com 1 ano e quase 2 meses
Foi tudo tão intenso. Eu consegui amamentar meu filho! Durante 6 meses o meu corpo produziu o único alimento que nutriu você, que fez você ganhar peso, crescer e se desenvolver. Que fez você ganhar essas bochechas gostosas com covinhas. Eu consegui! Por mais de 1 ano, o bico do meu seio foi o único que você sugou. Você nunca se consolou com borracha, nunca mamou uma química da indústria alimentícia. E no mundo de hoje isso é uma vitória gigantesca e eu tenho muito orgulho dela. Sei que não é isso que me faz uma boa mãe, muito menos uma mãe melhor de quem optou/precisou da mamadeira (é sempre bom deixar claro de novo), mas tudo o que eu enfrentei, encarei, aprendi e venci para chegar até aqui me fez, sim, uma pessoa melhor e mais forte para você. Amamentar no Brasil é uma guerra de Davi contra Golias. E eu consegui. Eu venci. Perfeição não existe e eu preciso focar nas vitórias. Mas dói, filho. É estranho por que não faz sentido, mas dói. Mas passa também. Eu só espero sinceramente que doa mais em mim do que em você.


Vitória, madrugada de 1º para 2 de julho de 2016 - 1 ano, 1 mês e 3 dias

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