domingo, 5 de julho de 2015

O ultrassom

Postado por Mãe do André às 08:00
Bom dia, meu filho. Ontem, você viu, não foi fácil para a mamãe. E eu passei boa parte do dia me perguntando o porquê. Por que seu ultrassom mexeu tanto comigo?



Você está sentado aí dentro. E apesar de toda a lógica e toda a informação que sua mãe tem, descobrir isso foi um baque. Maior do que eu esperava ou imaginava.

Eu estava bem ansiosa por esse ultrassom. Primeiro, porque depois de duas semanas sentindo dores muito fortes na barriga eu queria ter a certeza de que estava tudo bem com você, que meu estresse não havia afetado sua saúde. Segundo, justamente, porque queria saber em que posição você estava. Eu sabia que você não estava mais atravessado na barriga como mostrou o exame anterior. Eu vi que o formato dela mudou. Eu percebi que seus movimentos haviam mudado de lugar. Mas, mesmo que eu não quisesse pensar nessa possibilidade, eu desconfiava que você pudesse estar sentado. Eu só torcia para que essa parte mais dura que eu sentia no alto da barriga fosse seu bumbum, e não sua cabecinha.

A esperança foi pelo ralo nos primeiros três segundos do exame.

- Ih.. Ele está sentado, é? Já era parto normal! - soltou o insensível médico que fez o exame assim que colocou o aparelho na minha barriga.

Eu senti um frio na espinha. Um balde de água gelada que percorria todo o meu corpo. Mas agradeci a Deus por tudo o que já havia lido sobre parto nos últimos anos, todos os documentários, todos os relatos, todos os vídeos no Youtube. Eu sabia que aquele médico estava falando besteira. Que, pelo menos ainda, não estava tudo perdido. E tentei fazer cara de paisagem e me manter calma. Mas ele insistia nos comentários infelizes:

- Essa DPP (data prevista do parto) de 28 de maio é o máximo que você pode chegar. Não pode passar disso. Mas como vai ser cesária mesmo, pode marcar para o dia 20.*

- É... Vamos ver. - soltei para tentar encerrar o assunto.

- Vamos ver, não, mãe. Não tem mais jeito. Ele está sentando. Vai ter que nascer do jeito mais comum mesmo, que é a cesariana – soltou grosseiro.

Ô raiva!! Por que a pessoa faz esse tipo de comentário? E, assim, sem sensibilidade nenhuma? Seu pai não ouvia direito o que o médico falava de onde ele estava. Quando eu contei ficou revoltado. “A gente deveria ter respondido. Dizer que a opinião dele não interessava e que quem decide o tipo de parto é a gente e o nosso médico, não ele.” Achei tão fofo! Seu pai também já está descolado no assunto. Assim como eu, ele sabe de algumas coisas, coisas que fiquei repetindo para mim mesma durante toda a manhã de ontem:

1) É mentira que não tem mais jeito. Mesmo que seja uma tarefa muito difícil para o bebê, ele ainda pode, sim, mudar de posição e virar sozinho. Eu vi isso acontecer na semana passada: uma grávida que fazia ginástica comigo estava com o bebê sentado até a 36ª semana. Com 39, ela pariu naturalmente e o bebê estava de cabeça para baixo. Minha sogra contou que minha cunhada estava fora da posição ideal até a véspera do parto e também virou sozinha. É difícil, eu sei, mas ainda dá tempo.

2) Existem algumas técnicas que podem ser aplicadas para tentar virar o bebê, incluindo uma manobra externa (uma manipulação feita do lado de fora da barriga chamada "versão cefálica externa"). Pouquíssimas pessoas fazem isso, mas eu tenho a sorte de saber que uma delas aqui no Estado é, justamente, o meu obstetra!

3) Parto pélvico é, sim, uma opção. Um bebê pode, sim, nascer de bumbum. Claro que é o risco é maior, é um parto mais difícil e é preciso ter um monitoramento bem de perto. Não é o melhor para todas as situações nem para todas as mulheres e bebês. Por isso, 99% dos médicos se recusam até a tentá-lo. Também tenho notícias de que meu médico já fez partos desse tipo. Claro que ele não é irresponsável para tentar essa opção a qualquer custo. É um tipo de parto que exige uma série de pontos a serem levados em conta, mas é uma possibilidade, sim (mesmo que eu reconheça ser difícil ter coragem de encará-la, pelo menos hoje).

4) Também sei que uma cesariana bem indicada não é o fim do mundo. Que o fato de você estar sentado pode aumentar, e muito, a chance de uma operação. Mas a verdade, como ponderou seu pai, é que a possibilidade de uma cesária sempre existiu. Sempre existe. O parto é um evento impossível de prever ou controlar. Eu até posso (e devo) fazer a minha parte para ter uma gestação saudável e preparar meu corpo e mente para parir, mas eu sempre soube que, em muitos aspectos, eu seria uma mera expectadora da minha fisiologia. Posso ajudar, posso aplicar técnicas e fazer exercícios para facilitar o processo, mas não posso decidir quando, como ou o que vai ser. Além disso, acredito que nada acontece por acaso e que Deus está no controle. Cada um passa pela experiência que precisa passar. E cada experiência é única e deve ser vivida em plenitude, sem lamentações por um ideal ou um imaginário perdido.

5) Também sei que nosso médico vai nos tratar com respeito e carinho, mesmo em uma cirurgia. Sei que mesmo nesse caso não vou ver você só horas depois do nascimento, e que nosso contato não seria só uma troca de olhares de alguns segundos a vários centímetros de distância – esse, sim, meu maior medo. Uma cesariana pode ser humanizada e nosso médico sabe disso.

Mas, então, filho, se eu sei de tudo isso, por que não consegui segurar as lágrimas quando entrei no carro? Por que fiquei tão abalada?

Eu me fiz essa pergunta o dia inteiro e acho que, finalmente, descobri a resposta: eu não estou preparada para uma cesária. Eu me enganei dizendo que estava. Que se eu soubesse que ela havia sido realmente um recurso necessário, a última alternativa, que tudo bem. Não, filho, eu percebi que a verdade, de verdade mesmo, é que não estaria tudo bem. E demorei para entender o porquê. Por que meus sentimentos estavam tão afastados dos meus argumentos racionais. Sim, porque, racionalmente, eu não vejo nenhum problema em fazer uma cesária bem indicada, não acho que uma mulher é mais ou menos mãe por causa do tipo de parto que ela faz e sei que meu médico nunca iria simplesmente marcar uma dia conveniente na agenda dele para você nascer. Aliás, como eu agradeci o investimento de pagar um obstetra particular, que defende o parto normal. Se sua poupança não existisse e nós fôssemos obrigados a ter um médico do plano de saúde, acho que sairia com a cirurgia agendada na próxima consulta.

Enfim, depois de muito pensar, acho que finalmente entendi. Eu já contei, filho, eu não engravidei simplesmente porque queria ser mãe. A adoção sempre foi minha primeira opção e eu ainda não faço a menor questão de DNA. Sei que você viria para a nossa família de qualquer jeito, independentemente de biologia. Realmente acredito nisso. Todo o propósito de eu engravidar é porque cresceu em mim o desejo de passar por essa experiência de sentir o que é gerar uma vida dentro de mim. Queria ter a experiência de ver o corpo mudar, de sentir você mexer e, sim, de parir. Sei que vivemos em uma sociedade em que a maioria das pessoas acredita que parir é um mero detalhe (incômodo, inclusive), que nem parece fazer parte do “pacote” da gravidez. Mas, para mim, é o auge desses 9 meses. Se meu desejo é poder acompanhar tudo o que meu corpo é capaz de fazer para gerar uma vida, o parto seria um dos momentos mais importantes, a coroação desses 9 meses. Ir para uma cesária agora seria como se alguém arrancasse de mim o direito dessa experiência. Como se eu assistisse a um jogo de futebol sem direito a ver os gols. Ou acompanhasse uma maratona por horas e me impedissem de ver os corredores cruzando a linha de chegada. E como não tenho certeza se engravidaria de novo (hoje não descarto mais essa possibilidade, mas o plano inicial meu e do seu pai era “ter um e adotar os demais”), é como se essa fosse a única oportunidade de vivenciar a experiência do parto. E ela estaria sendo roubada de mim. É, eu sei, é muito drama, um mega exagero pensar assim. Mas eu me dei conta que, inconscientemente, era (ou é?) assim que eu me sentia (ou sinto?).

Hoje acordei muito mais calma, muito mais tranquila. Semana que vem tenho consulta e aí, sim, saberemos quais são as minhas possibilidades reais. Hoje também acordei grata. A Deus e a você, meu filho. Se você não estivesse sentado eu talvez jamais teria consciência dos meus sentimentos tão negativos em relação à cesária. Eu provavelmente me agarraria à ideia “está tudo certo para ser parto normal” e descartaria completamente a possibilidade de cirurgia – possibilidade, repito, que sempre existe. E, talvez, se essa possibilidade se confirmasse lá na hora, depois de algum tempo de trabalho de parto, eu ficaria tão desestruturada emocionalmente que, provavelmente, não viveria sua chegada com alegria, como deve ser. Ela teria um sabor amargo, o que é uma injustiça com você. Eu ainda me agarro à esperança de você vir ao mundo naturalmente, principalmente porque sei que assim poderemos nos curtir mais quando você chegar (ter você imediatamente no meu colo, poder olhar para você com calma, sentir seu cheiro, seu toque). Mas acho que entendi o recado.

A vida, Deus (e você!) estão me dando a oportunidade de me preparar de verdade para todas as possibilidades. Para eu trabalhar minhas emoções de verdade, sem me enganar ou jogar nada para debaixo do tapete. Vocês estão me lembrando que, se racionalmente eu já sei, emocionalmente eu preciso aceitar que não estou no controle. Que, aliás, quando se fala de qualquer aspecto da maternidade, eu jamais estarei no controle. O que eu posso (e devo) fazer é a minha parte, do melhor jeito possível, e curtir tudo o que a vida e você me derem de volta. E a graça dessa experiência está toda aí!

Aprender a perder o controle e aproveitar o melhor de cada situação da vida pode ser a melhor lição da maternidade. Se eu vou conseguir eu não sei, filho. Mas eu agradeço muito por você tentar me ensinar!



Vitória, 1º de maio de 2015 – 36 semanas + 5 dias

* atualização: você nasceu dia 29! Rá!

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3 comentários no blog:

Isa• disse...

Que carta mais cheia de emoção, autoconhecimento e aceitação (ou pelo menos tentativa de). Obrigada Rê por nos permitir aprender com sua trajetória. <3

Mãe do André disse...

Obrigada, você, Isa, por sempre me incentivar com palavras tão carinhosa!

Mãe do André disse...

Obrigada, você, Isa, por sempre me incentivar com palavras tão carinhosa!

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