domingo, 12 de julho de 2015

A manobra e o luto

Postado por Mãe do André às 08:00
Tivemos uma semana difícil, né, filho? Eu e você! Foram tantos sentimentos confusos em tão pouco tempo e com tanta intensidade que há 10 dias não consigo escrever para você nem atualizar seu blog. E não foi por falta de tempo. Foi por falta de palavras mesmo, filho. Você não virou. E depois de tentar várias alternativas, a cesária é hoje praticamente uma certeza. Uma realidade mais amarga do que deveria ser.


Não quero parecer dramática, filho, nem agir como se isso fosse o fim do mundo. Mas eu preciso admitir que o impacto da notícia foi muito maior do que eu gostaria de reconhecer. Isso me mostrou que eu não estava tão equilibrada quanto parecia na outra carta ou quanto eu gostaria de estar. Sem contar o susto que você nos deu! Vou tentar resumir um pouco os últimos 10 intensos dias.

Até o dia 4, sua mãe respirou trabalho, filho. E não foi nada fácil. A “reportagem de despedida” parecia, às vezes, missão impossível. Tive crises de ansiedade, de choro, de insônia. Realmente cheguei a achar em alguns momentos que não iria conseguir – pelo menos não de uma forma de que me orgulhasse. Foram dias muito intensos. E tão corridos que eu entrei de licença com a sensação de não ter me despedido direito de ninguém. O último dia exigiu 12 horas seguidas de trabalho, mas foi a melhor estratégia (e uma escolha da mamãe) – era isso ou trabalhar todo o feriado e eu realmente precisava me recuperar fisicamente. Deu certo. Acabou. E vai ser um bom serviço para os leitores. Se não o melhor, aquilo que imaginamos no início, uma matéria bem interessante.

No dia seguinte, eu estava morta fisicamente. E a ansiedade e o nervosismo continuavam lá, mas com outro foco: você. Era o dia da minha consulta pré-natal. O dia em que eu entenderia o que o ultrassom realmente significava. Eu estava tensa. E não saí de lá mais tranquila.

O médico recebeu o resultado do ultrassom com mais rugas na testa do que eu gostaria de ver, mas disse que nem tudo estava perdido ainda. Seu discurso era de esperança, incentivo, mas eu não sentia isso no ar. Ele me explicou sobre a manobra externa que podia fazer você virar e me passou uma série de recomendações e cuidados para as próximas 24 horas – algumas pareciam até simpatias, rs. No dia seguinte, tentaríamos virar você. Tentei levar no bom humor, rir de tudo aquilo e não me desesperar antes da hora. “Um dia de cada vez”, pensava. Mas só consegui segurar as lágrimas até entrar no carro. Não dá para explicar, filho. Não era racional. Eu era pura e incontrolável emoção. Eu não conseguia nem entender porque estava tão triste.

Mesmo assim, dediquei as horas seguintes a fazer a minha parte. Tomei muito líquido. Não fiz atividade física. Descansei. Fiquei praticamente pendurada de cabeça para baixo, deitada em mil travesseiros e almofadas. Fiquei de quatro. Tomei banho de banheira. Brinquei criando a #viraAndre. Até música no meio das pernas eu coloquei (isso já não foi recomendação médica, rs). No dia seguinte, almoço leve e remédio para relaxar a musculatura uterina. E cheguei ao consultório com sua avó a tira-colo e uma dose cavalar de ansiedade.

Sabe, filho, preciso admitir um sentimento feio. Por um momento, por um minutinho, eu cheguei a ficar com raiva de você. Por que você não virava? Por que não queria virar? Não via que era melhor também para você? Na mesma hora, imediatamente, um pensamento me veio à cabeça. “Eu não consigo.” Foi um estalo. Eu não tinha pensado nessa possibilidade. E se você quisesse e estivesse tentando, mas não estivesse conseguindo? Desculpa, filho. Então, prometi que iríamos fazer de tudo para ajudar você. E que fosse que o Deus e a vida quisessem.

Não foi. A manobra não só não deu certo, como fez mal a você. O batimento do seu coraçãozinho caiu tanto que assustou todo mundo a seu redor. A sorte é que nosso médico é tão tranquilo que eu só entendi totalmente a gravidade da situação quando você já estava se recuperando. Foi tudo muito rápido. Seu “estresse cardíaco” durou poucos segundos, você se recuperou logo depois. Mas foi o suficiente para me apavorar e jogar nossa esperança de parto normal pela janela. O médico chegou a pensar que o cordão umbilical pode estar curto ou enrolado em você de alguma forma que impeça a mudança de posição (tá vendo? Não é só questão de vontade). E por uma série de motivos, incluindo essa dificuldade sua e o fato de você ser meu primeiro filho, descartou o parto pélvico para gente (confesso que, apesar de ter ficado triste com a notícia, senti também um certo alívio, não sei se encararia). 

Eu fiquei meio em choque nas horas seguintes. Na verdade, dias. Não sabia direito o que estava sentindo. Às vezes, parecia que o mundo tinha desabado, que eu não tinha chão debaixo dos meus pés. Às vezes, parecia que “tudo bem” e que era bom ter alguns dias realmente para me preparar psicologicamente para a cesariana para, quando ela chegar, estar feliz, plena e tranquila para receber você. Ia até economizar algum dinheiro!

Mas qual dos sentimentos realmente era o meu? Ou, pelo menos, qual dos dois era mais forte em mim? As chances de você virar sozinho ou com ajuda de algumas outras técnicas (acupuntura, os exercícios em casa, etc) ou mesmo de fazer um parto pélvico (caso ele fosse rápido) não haviam sido completamente descartadas, mas ficou claro que era mais fácil ganhar na loteria (esse era o meu sentimento, não a fala do médico). Não saí de lá com a cesariana agendada e ele nem fará isso. A dúvida agora é: até que ponto me agarrar a essa minúscula chance? Até que ponto me agarrar à chance remota e fazer essas outras tentativas é alimentar ou adiar uma decepção e não enfrentar a realidade? Até que ponto é colocar muita expectativa e pressão em você, filho? Seu pai disse que meio que se sentiria culpado em ficar tentando alternativas já que você sofreu tanto com a manobra – tanto que o médico nem recomendou fazer de novo e ele geralmente faz duas tentativas. Mas eu também me pergunto: até que ponto me “conformar” é desistir de algo que eu queria tanto e que eu realmente acredito ser o melhor para nós dois? Até que ponto é aceitar a realidade e até onde é desistir sem lutar até o fim? Como saber se eu estou abrindo mão de uma chance real ou se estou forçando uma barra? Não sei, filho. Até agora eu não sei.

Nesta semana, por exemplo, seria nossa aula de parto, algo que eu estava doida para fazer. A aula era no sábado de manhã e eu e seu pai ficamos até quase 2 da manhã desse dia discutindo se valeria a pena ou não ir. Não fomos. Eu ainda não tenho certeza de que foi a melhor escolha. Mas eu achei que não conseguiria lidar emocionalmente com tudo aquilo. Para que gastar dinheiro e uma manhã de sábado para entender um parto que dificilmente eu vou ter? Para que aprender massagens e respirações para um processo que eu só vou passar por milagre? Se meu médico, um verdadeiro ativista do parto normal, uma pessoa que só faz cesária quando realmente é o último recurso, me diz que meu caso é para cirurgia, por que não acreditar? Eu sei que ele não é do tipo que inventa desculpas para fugir do parto normal. E fiquei muito mais tranquila ao saber como ele faz uma cesária humanizada. Você vai poder vir para o meu colo, filho!! Não vamos ficar em quartos separados. E, mesmo na cesária, seu pai ainda pode cortar o cordão umbilical. E, até segunda ordem, só vamos para a faca quando você der sinais de que está pronto ou quando meu corpo der algum sinal de trabalho de parto. Alguma coisa vou poder sentir. Nada mal.

Mas o “e se?” martela a minha cabeça. O tempo todo. Quero me concentrar em tudo o que quero fazer antes de você chegar, mas nem sempre consigo. Ainda não sei se deveria estar fazendo os exercícios. Ainda não sei se processei tudo o que há para processar. Não sei se tudo não passa de um simples drama, chilique da minha parte. Não sei se tenho mais medo de fazer a cesária ou de não conseguir aceitá-la. Não sei, filho. Mas espero sinceramente descobrir antes de você chegar. E não importa como isso vai acontecer. Nada vai mudar a forma da gente se amar.


Vitória, 11 de maio de 2015 – 38 semanas

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