Bom
dia, meu filho. Ontem, você viu, não foi fácil para a mamãe. E eu
passei boa parte do dia me perguntando o porquê. Por que seu
ultrassom mexeu tanto comigo?
Você
está sentado aí dentro. E apesar de toda a lógica e toda a
informação que sua mãe tem, descobrir isso foi um baque. Maior do
que eu esperava ou imaginava.
Eu
estava bem ansiosa por esse ultrassom. Primeiro, porque depois de
duas semanas sentindo dores muito fortes na barriga eu queria ter a
certeza de que estava tudo bem com você, que meu estresse não havia
afetado sua saúde. Segundo, justamente, porque queria saber em que
posição você estava. Eu sabia que você não estava mais
atravessado na barriga como mostrou o exame anterior. Eu vi que o
formato dela mudou. Eu percebi que seus movimentos haviam mudado de
lugar. Mas, mesmo que eu não quisesse pensar nessa possibilidade, eu
desconfiava que você pudesse estar sentado. Eu só torcia para que
essa parte mais dura que eu sentia no alto da barriga fosse seu
bumbum, e não sua cabecinha.
A
esperança foi pelo ralo nos primeiros três segundos do exame.
-
Ih.. Ele está sentado, é? Já era parto normal! - soltou o
insensível médico que fez o exame assim que colocou o aparelho na
minha barriga.
Eu
senti um frio na espinha. Um balde de água gelada que percorria todo
o meu corpo. Mas agradeci a Deus por tudo o que já havia lido sobre
parto nos últimos anos, todos os documentários, todos os relatos,
todos os vídeos no Youtube. Eu sabia que aquele médico estava
falando besteira. Que, pelo menos ainda, não estava tudo perdido. E
tentei fazer cara de paisagem e me manter calma. Mas ele insistia nos
comentários infelizes:
-
Essa DPP (data prevista do parto) de 28 de maio é o máximo que você
pode chegar. Não pode passar disso. Mas como vai ser cesária mesmo, pode marcar para o dia
20.*
- É... Vamos ver. - soltei para tentar encerrar o assunto.
- Vamos ver, não, mãe. Não tem mais jeito. Ele está sentando. Vai ter que nascer do jeito mais comum mesmo, que é a cesariana – soltou grosseiro.
Ô
raiva!! Por que a pessoa faz esse tipo de comentário? E, assim, sem
sensibilidade nenhuma? Seu pai não ouvia direito o que o médico
falava de onde ele estava. Quando eu contei ficou revoltado. “A
gente deveria ter respondido. Dizer que a opinião dele não
interessava e que quem decide o tipo de parto é a gente e o nosso
médico, não ele.” Achei tão fofo! Seu pai também já está
descolado no assunto. Assim como eu, ele sabe de algumas coisas,
coisas que fiquei repetindo para mim mesma durante toda a manhã de
ontem:
1)
É mentira que não tem mais jeito. Mesmo que seja uma tarefa muito
difícil para o bebê, ele ainda pode, sim, mudar de posição e
virar sozinho. Eu vi isso acontecer na semana passada: uma grávida
que fazia ginástica comigo estava com o bebê sentado até a 36ª
semana. Com 39, ela pariu naturalmente e o bebê estava de cabeça
para baixo. Minha sogra contou que minha cunhada estava fora da
posição ideal até a véspera do parto e também virou sozinha. É
difícil, eu sei, mas ainda dá tempo.
2)
Existem algumas técnicas que podem ser aplicadas para tentar virar o
bebê, incluindo uma manobra externa (uma manipulação feita do lado
de fora da barriga chamada "versão cefálica externa"). Pouquíssimas pessoas fazem isso, mas eu tenho a
sorte de saber que uma delas aqui no Estado é, justamente, o meu
obstetra!
3)
Parto pélvico é, sim, uma opção. Um bebê pode, sim, nascer de
bumbum. Claro que é o risco é maior, é um parto mais difícil e é
preciso ter um monitoramento bem de perto. Não é o melhor para todas
as situações nem para todas as mulheres e bebês. Por isso, 99% dos
médicos se recusam até a tentá-lo. Também tenho notícias de que
meu médico já fez partos desse tipo. Claro que ele não é
irresponsável para tentar essa opção a qualquer custo. É um tipo
de parto que exige uma série de pontos a serem levados em conta, mas
é uma possibilidade, sim (mesmo que eu reconheça ser difícil ter coragem de encará-la, pelo menos hoje).
4)
Também sei que uma cesariana bem indicada não é o fim do mundo.
Que o fato de você estar sentado pode aumentar, e muito, a chance de
uma operação. Mas a verdade, como ponderou seu pai, é que a
possibilidade de uma cesária sempre existiu. Sempre existe. O parto
é um evento impossível de prever ou controlar. Eu até posso (e
devo) fazer a minha parte para ter uma gestação saudável e
preparar meu corpo e mente para parir, mas eu sempre soube que, em
muitos aspectos, eu seria uma mera expectadora da minha fisiologia.
Posso ajudar, posso aplicar técnicas e fazer exercícios para
facilitar o processo, mas não posso decidir quando, como ou o que
vai ser. Além disso, acredito que nada acontece por acaso e que Deus
está no controle. Cada um passa pela experiência que precisa
passar. E cada experiência é única e deve ser vivida em plenitude,
sem lamentações por um ideal ou um imaginário perdido.
5)
Também sei que nosso médico vai nos tratar com respeito e carinho,
mesmo em uma cirurgia. Sei que mesmo nesse caso não vou ver você só
horas depois do nascimento, e que nosso contato não seria só uma troca
de olhares de alguns segundos a vários centímetros de distância –
esse, sim, meu maior medo. Uma cesariana pode ser humanizada e nosso
médico sabe disso.
Mas,
então, filho, se eu sei de tudo isso, por que não consegui segurar
as lágrimas quando entrei no carro? Por que fiquei tão abalada?
Eu
me fiz essa pergunta o dia inteiro e acho que, finalmente, descobri a
resposta: eu não estou preparada para uma cesária. Eu me enganei
dizendo que estava. Que se eu soubesse que ela havia sido realmente
um recurso necessário, a última alternativa, que tudo bem. Não,
filho, eu percebi que a verdade, de verdade mesmo, é que não estaria tudo
bem. E demorei para entender o porquê. Por que meus sentimentos
estavam tão afastados dos meus argumentos racionais. Sim, porque,
racionalmente, eu não vejo nenhum problema em fazer uma cesária bem
indicada, não acho que uma mulher é mais ou menos mãe por causa do
tipo de parto que ela faz e sei que meu médico nunca iria
simplesmente marcar uma dia conveniente na agenda dele para você
nascer. Aliás, como eu agradeci o investimento de pagar um obstetra
particular, que defende o parto normal. Se sua poupança não
existisse e nós fôssemos obrigados a ter um médico do plano de
saúde, acho que sairia com a cirurgia agendada na próxima consulta.
Enfim,
depois de muito pensar, acho que finalmente entendi. Eu já contei,
filho, eu não engravidei simplesmente porque queria ser mãe. A
adoção sempre foi minha primeira opção e eu ainda não faço a
menor questão de DNA. Sei que você viria para a nossa família de
qualquer jeito, independentemente de biologia. Realmente acredito
nisso. Todo o propósito de eu engravidar é porque cresceu em mim o
desejo de passar por essa experiência de sentir o que é gerar uma
vida dentro de mim. Queria ter a experiência de ver o corpo mudar,
de sentir você mexer e, sim, de parir. Sei que vivemos em uma
sociedade em que a maioria das pessoas acredita que parir é um mero
detalhe (incômodo, inclusive), que nem parece fazer parte do
“pacote” da gravidez. Mas, para mim, é o auge desses 9 meses.
Se meu desejo é poder acompanhar tudo o que meu corpo é capaz de
fazer para gerar uma vida, o parto seria um dos momentos mais
importantes, a coroação desses 9 meses. Ir para uma cesária agora
seria como se alguém arrancasse de mim o direito dessa experiência.
Como se eu assistisse a um jogo de futebol sem direito a ver os gols.
Ou acompanhasse uma maratona por horas e me impedissem de ver os
corredores cruzando a linha de chegada. E como não tenho certeza se
engravidaria de novo (hoje não descarto mais essa possibilidade, mas
o plano inicial meu e do seu pai era “ter um e adotar os demais”),
é como se essa fosse a única oportunidade de vivenciar a
experiência do parto. E ela estaria sendo roubada de mim. É, eu sei, é
muito drama, um mega exagero pensar assim. Mas eu me dei conta que,
inconscientemente, era (ou é?) assim que eu me sentia (ou sinto?).
Hoje
acordei muito mais calma, muito mais tranquila. Semana que vem tenho
consulta e aí, sim, saberemos quais são as minhas possibilidades
reais. Hoje também acordei grata. A Deus e a você, meu filho. Se
você não estivesse sentado eu talvez jamais teria consciência dos
meus sentimentos tão negativos em relação à cesária. Eu
provavelmente me agarraria à ideia “está tudo certo para ser
parto normal” e descartaria completamente a possibilidade de
cirurgia – possibilidade, repito, que sempre existe. E, talvez, se
essa possibilidade se confirmasse lá na hora, depois de algum tempo
de trabalho de parto, eu ficaria tão desestruturada emocionalmente
que, provavelmente, não viveria sua chegada com alegria, como deve
ser. Ela teria um sabor amargo, o que é uma injustiça com você. Eu
ainda me agarro à esperança de você vir ao mundo naturalmente,
principalmente porque sei que assim poderemos nos curtir mais quando
você chegar (ter você imediatamente no meu colo, poder olhar para
você com calma, sentir seu cheiro, seu toque). Mas acho que entendi
o recado.
A
vida, Deus (e você!) estão me dando a oportunidade de me
preparar de verdade para todas as possibilidades. Para eu trabalhar
minhas emoções de verdade, sem me enganar ou jogar nada para
debaixo do tapete. Vocês estão me lembrando que, se racionalmente
eu já sei, emocionalmente eu preciso aceitar que não estou no
controle. Que, aliás, quando se fala de qualquer aspecto da
maternidade, eu jamais estarei no controle. O que eu posso (e devo)
fazer é a minha parte, do melhor jeito possível, e curtir tudo o
que a vida e você me derem de volta. E a graça dessa experiência
está toda aí!
Aprender
a perder o controle e aproveitar o melhor de cada situação da
vida pode ser a melhor lição da maternidade. Se eu vou conseguir eu
não sei, filho. Mas eu agradeço muito por você tentar me ensinar!
Vitória,
1º de maio de 2015 – 36 semanas + 5 dias
* atualização: você nasceu dia 29! Rá!
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3 comentários no blog:
Que carta mais cheia de emoção, autoconhecimento e aceitação (ou pelo menos tentativa de). Obrigada Rê por nos permitir aprender com sua trajetória. <3
Obrigada, você, Isa, por sempre me incentivar com palavras tão carinhosa!
Obrigada, você, Isa, por sempre me incentivar com palavras tão carinhosa!
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