O mundo que vai receber você (e a minha alienação)

Filho, não sei se você sabe qual é a profissão da mamãe. Sou jornalista. Por isso, estar informada e acompanhar as notícias do Brasil e do mundo é praticamente uma obrigação para mim. Mas, mais do que isso, sempre foi um prazer. Para mim, não existia coisa melhor do que tomar um café da manhã com calma, lendo o jornal – no papel mesmo, sujando as mãos. Também adorava olhar sites de notícias e assistir aos telejornais - podia passar horas pulando de um para outro. Perceba, filho, que as frases estão no passado. Pois é! A gravidez deixou alguma coisa “fora da ordem”.

A verdade, filho, é que o mundo que vai receber você não anda nada amigável. As notícias estão cada vez mais absurdas, parecem até mentira, pegadinha de site de humor (ou de terror!). É tanta intolerância, tanto ódio, tanta violência! E tudo por tão pouco!!! É assustador! Estamos no meio de uma crise política (com direito a pedido de volta à ditadura!!!), de uma crise econômica (que tende a piorar nos próximos meses) e ainda de uma crise hídrica (que não deve se resolver tão cedo). Isso porque, oficialmente, ninguém reconhece a crise moral e de intolerância que estamos vivendo. Todo mundo tem razão e acha que seu modo de agir e pensar é, não apenas o certo, mas o que deveria ser imposto aos demais. E quem não pensa como ele é a escória, não deve ser nem tratado como ser humano. Nunca vi tanta homofobia, racismo, machismo, intolerância política e religiosa assim, escancarados. É tanta maldade! Tanto sadismo! Parece que perdemos a capacidade de conviver com a diferença. “Narciso acha feio o que não é espelho”. Sem contar os escândalos que explodem semanalmente e o clima de “esse mundo/país não tem jeito, então salve-se quem puder”. Nunca vi tanto individualismo, nem tantas tentativas de se fazer “justiça” com as próprias mãos.

Tenho feito de tudo para não entrar nesse pânico coletivo. Para me apegar à minha fé e manter o otimismo em vez de me entregar ao desesperador pensamento: “meu Deus, eu vou mesmo colocar uma criança NESSE mundo?” E sabe qual foi a única maneira que consegui fazer isso? A alienação!!! É, eu sei, é triste. Mas eu só percebi isso depois de alguns meses. Eu passei a ler apenas o mínimo necessário para fazer bem o meu trabalho. Em vez de um prazer, acompanhar os noticiários se tornou fonte de estresse. Eu tinha taquicardia. Literalmente! Não é força de expressão! As notícias me faziam tão mal, eu ficava tão nervosa, que comecei a acompanhar cada vez menos...

Mas essa não é a melhor saída, filho, apesar de ser a mais fácil. Fingir que está tudo bem não faz do mundo um lugar melhor. Por isso, aos poucos, tento combater esse meu desejo de me alienar de tudo o que está acontecendo. Tento ser otimista para não deixar me abalar. Como disse, tento me apegar à fé raciocinada: quando a gente reforma uma casa, é preciso fazer alguma destruição. Quebrar paredes, derrubar estruturas, acabar com belas decorações. Quem entra desavisadamente em uma obra pode achar que o lugar foi destruído, acabado, que tudo está muito pior do que antes – era melhor não ter mexido! Mas só quem viu o projeto final sabe que a bagunça é um mal necessário e que vale a pena.

O que eu espero, filho, é que seja exatamente isso o que está acontecendo no mundo. Que estejamos no meio da transição para um mundo melhor e que você ainda tenha a chance de viver na nova casa, após a reforma. E, se for preciso viver no meio da sujeira por enquanto, tudo bem. E se eu puder ajudar na reforma, melhor ainda. Vamos quebrar, lixar, pintar, limpar, fazer a nossa parte. E, para isso, eu preciso ter consciência de quais mudanças precisam ser feitas – com coragem e sem alienação. Mas eu preciso acreditar que você vai viver pelo menos parte da sua vida em um mundo melhor. Nem que para isso eu precise ensinar você a participar da reforma.

Vitória, 21 de maio de 2015 – 39 semanas