Meu
filho,
Acho
que hoje, finalmente, eu e seu pai decidimos o seu nome. Nossa, não
foi fácil. Se você fosse uma menina, talvez tivesse ficado sem nome
por menos tempo. Talvez. Para meninas, tínhamos ao menos uma pequena
lista de possibilidades. Mas para meninos, o desafio pareceu ser
maior. Não pense, com isso, que preferíamos que você não fosse um
meninão. A questão nem de longe foi essa! Mas foi uma tarefa tão
difícil que eu resolvi registrar nossa pequena odisseia.
Seu
pai foi quem primeiro se preocupou com o fato de você estar sem
nome. Eu confesso que entre sono, enjoo, cérebro “avoado” e
trabalho de fim de ano, essa decisão não estava no topo da minha
lista de prioridades. Tínhamos tempo. Seu pai perguntava, implicava
e, às vezes, até insistia: ele queria conversar com você
chamando-o pelo nome. Até o ultrassom que confirmou seu sexo, a
ansiedade do seu pai era fácil de ser contornada. Nem o livro de
nomes de bebês que ele trouxe para casa me intimidou. Na verdade, o
fato de você não ter sequer uma lista de possibilidades me
incomodava também. Mas é que, para mim, parecia uma
responsabilidade tão grande... É o seu nome! Algo que você vai
levar para o resto da sua vida, parte da sua identidade. Eu não
queria apenas uma palavra bonita que o identificasse.
E
opções bonitas não faltavam. Eu e seu pai pensamos em vários
nomes que achávamos bonitos. Mas, sei lá, nenhum era o nome do
nosso filho. Nenhum era o seu. Um dia, seu pai quis abrir
oficialmente sua lista de possibilidades com um desses nomes: Lucas.
Aceitei. Não tinha convicção, mas foi o primeiro consenso. Pelo
menos você começava a ter possibilidades. Sua “lista” de um
nome só permaneceu assim por alguns dias – semanas talvez. Até
que, uma noite, quando o seu pai já estava mais dormindo do que
acordado, eu me lembrei de algumas coisas. E cutuquei seu pai no
quarto escuro:
-
Lindo, não tenho certeza de nada, mas posso colocar mais um nome na
lista?
-
Qual? – perguntou seu pai mais resmungando do que falando de tão
sonolento.
-
André.
Seu
pai fez alguns segundos de silêncio (e eu cheguei a achar que ele
tinha voltado a dormir) e falou mais animado:
-
Pode ser. Eu gosto de André.
E
fomos dormir sem continuar o assunto.
Hoje,
filho, quero contar a você o que eu lembrei naquela noite e que fez
esse nome, que nunca havia chamado minha atenção antes, se tornar o
seu nome.
Você
era querido e esperado há muitos anos, mas eu decidi que de 2014 não
passaria. Se dependesse apenas da vontade minha e do seu pai, teria
sido ainda antes – bem antes – mas não deu. E essa frustração
acumulada de meses de adiamento indesejável fez com que você
estivesse em meu pensamento quase que constantemente em 2014. Mas eu
me lembro que foi no Emees (encontro de jovens que eu e seu pai
ajudamos a organizar desde 2001) que eu me peguei conversando com
você pela primeira vez.
Eu
me perguntava se você já estaria por aqui, se estaria no encontro,
se seria espírita e se aquele ambiente, um dia, seria tão
importante para você quanto é para mim e para o seu pai. Em alguns
momentos, no auditório, eu me emocionei pensando em você e, num ato
quase involuntário e instintivo, levei à mão à barriga, como se
você já estivesse ali. Lembro de dizer: “está vendo, filho? É
nessa filosofia que eu e seu pai queremos criar você. Com esses
valores. Queremos muito que você possa sentir toda essa energia boa
para ter forças de seguir no caminho do bem mesmo quando o mundo nos
empurra para a direção contrária”.
Acho
que, de alguma forma, seu pai também sentiu essa conexão, pois
quando o grupo de crianças entrou no palco, ele me disse com um
sorriso bobo:
-
Será que no ano que vem a gente vai estar lá em cima com nosso
filhinho?
Sorrindo,
e até um pouco emocionada, respondi:
-
Eu estava aqui pensando exatamente a mesma coisa!!!
Após
o evento, as frustrações continuaram e sua vinda precisou ser
adiada mais uma ou duas vezes. Mas você, de alguma forma, já fazia
parte da minha rotina. Eu conversava com você em voz alta algumas
vezes, pensava em você o tempo todo e cheguei a escrever uma carta a
você – a primeira! – pedindo desculpas pela demora. Lembra?
Então,
no meio do ano, recebi uma tarefa com um misto de alegria e pânico:
participar da criação de um livro que registrasse o encontro que
passou. Seria responsável por escrever um conto de ficção, que
usasse histórias reais de jovens que fizeram/fazem a diferença no
mundo como pano de fundo. Escrever um livro é um sonho antigo. E
escrever um capítulo era menos assustador. Eu acredito que em um
trabalho como esse a gente não faz nada sozinho. A inspiração veio
aos poucos. Na primeira reunião para discutir as primeiras ideias,
eu ainda não tinha nenhuma, mas ouvindo as outras propostas comecei
a formar algum esboço. Alguém deu a sugestão do conto acabar na
maternidade e, a partir daí, não conseguia mais descolar a história
de você. Nessa época, você já era um projeto real e as tentativas
haviam, oficialmente, começado.
Vamos
deixar algumas coisas bem claras, filho: você não é o personagem
do conto e eu não espero que você tenha o peso de uma missão
extraordinária. E mais importante: quero que você viva muitos e
muitos anos na Terra (o planejamento curto do personagem era uma
exigência da linha editorial do livro). Mas eu não podia não
pensar em você enquanto escrevia: o que se passa na cabeça de
alguém que está prestes a renascer? Será que você estava mesmo no
Emees? Será que você não estaria com medo ou ansioso? Afinal, esse
mundo não é, assim, um mar de rosas. É assustador mesmo. Ao pensar
no processo de reencarnação, não tive como não me emocionar.
Podia não ser exatamente daquele jeito, mas era algo pelo qual você
estaria passando em breve – essa, pelo menos, era a minha esperança
que, graças a Deus, se confirmou. E eu me pergunto se você sentiu
comigo essas emoções. Se realmente participou dos nossos
bate-papos, se realmente estava lá.
Mas
meu personagem não se chama André por causa de você. Na verdade,
até aqui eu tive dificuldades de pensar em nomes. Queria deixar
registrado um sentimento e, por isso, escrevi todo o conto usando
“Fulano, Beltrano e Sicrano”. E meus personagens permaneceram
sem nome até os 45 minutos do segundo tempo, quando faltavam 10
minutos para estourar meu quarto ou quinto prazo final. Como a ideia
era integrar os capítulos, eu saí lendo os outros contos e fui
pegando “aleatoriamente” (porque não acredito no acaso) nome de
outros personagens que poderiam ser os meus. E, assim, saiu André.
Um nome que jamais imaginei na minha vida, que eu não acho
particularmente mais bonito do que tantos outros por aí, mas que
virou o símbolo do meu sentimento por você e por essa gestação.
Um símbolo de todas as “nossas conversas” e de todas as vezes
que pensei em você no ano que passou.
Foi
difícil, filho. Eu ainda acho uma responsabilidade enorme dizer ao
mundo como chamar você. Mas nenhum nome consegue competir com o que
o André representa. Por isso, ainda que receosa e sem muita
convicção (confesso), acho que já posso dizer: bem-vindo à Terra,
André!
Vitória,
04 de janeiro de 2015
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4 comentários no blog:
Renata, que texto lindo! Quanto sentimento. Eu ia lendo e parece que ouvia você, como se estivesse me contando. Parabéns! Beijos
Não "me" contando, né? Mas acho qur vc entendeu, kkkkk. Beijos
Muito bom o texto! Estou exatamente nessa fase de decidir o nome, soubemos essa semana que estamos esperando um menino ! Até soube o nome que ele teve antes, mas não quero repetir... afinal, trata-se de uma nova experiência ! Abraços!
Fico muito feliz que você tenha gostado e até se identificado com meu texto. Pena que não assinou! Gostaria de saber quem você é! De qualquer forma, seja muito bem-vindo ao blog! :)
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