domingo, 15 de outubro de 2017

O seu desmame e o fim da dieta (uma carta a prestação)

Postado por Mãe do André às 16:41

Como eu me sinto durante o desmame
1*

É, filho, acho que agora foi. A menos de 30 horas para você completar 1 ano e 6 meses, acho que posso falar que você desmamou. E mais uma vez o sentimento aqui é confuso e contraditório. Se de um lado eu sinto orgulho de mim e do seu pai pela forma respeitosa e amorosa com que levamos todo o processo, de outro ainda me pergunto se não deveria te dar mais algumas semanas pelo menos. Mas a verdade é que seu pai tem razão. Não dá mais.
(ou será que dava?)

2
Faz dois dias que comecei a escrever essa carta e não conseguia continuar. Peguei o caderno e a caneta enquanto seu pai fazia você dormir (tem sido assim desde que começamos esse processo), mas você teve uma pequena crise e levou quase 1h30 num agito que eu podia ouvir da sala, recheado de algumas crises de choro. Eu acho que você queria mamar. Mas eu não podia mais dar o peito. E fui tomada por uma culpa que, mesmo irracional, me paralisou. Você chorava no quarto, eu chorava na sala, me sentindo a bruxa má dos contos infantis - ainda que meu lado racional me apontasse tantos motivos de orgulho. 
Mas vamos começar do começo.

Quando a medica me disse há 5 meses (CINCO MESES!!) que só poderia fazer meu tratamento se eu desmamasse você, a minha paciência com a dieta por causa da sua alergia já havia chegado ao fim. Eu não aguentava mais tanta restrição, mas eu gostava de amamentar. E você não exigia muito. André, você fez um ano de idade mamando apenas de 2 a 3 vezes por dia. Só mamava de manhã  e antes de dormir, às vezes acordava de madrugada. Durante o dia, sempre preferiu comida e, quando mamava de madrugada, era uma única vez que mal dava 15 minutos (os dois peitos). Eu comecei a conversar com você, dizendo que precisava da sua ajuda, que você estava crescendo, que o leitinho da mamãe estava acabando e que, apesar de eu também gostar muito de dar mamar, eu precisava cuidar da minha saúde. O zumbido constante era enlouquecedor e eu vivia irritada.

Meu filho, mais uma vez eu preciso destacar e agradecer o papel ativo do seu pai nesse processo todo. Além do apoio incondicional que ele sempre me deu (sempre reforçando minhas qualidades, não me deixando ser dominada pela culpa, sempre me mostrando tudo de bom que eu havia feito, etc.), ele ainda "pegou o boi chamado desmame pelo chifre". Leu e discutiu comigo todas as possibilidades de abordagens e passou a assumir todos os momentos que tradicionalmente envolviam a amamentação. Nossa estratégia era simples: não oferecer, mas também não negar. Queríamos ver o quanto você realmente queria e precisava do peito, e o quanto era apenas um costume ou uma necessidade minha.

Em alguma momento que eu não me lembro mais, entre 1 ano e 1 ano e 2 meses, tiramos a poltrona de amamentação do quarto e eu passei a dar o peito sentada no seu colchão. A primeira mudança foi de madrugada. Quando você acordava, seu pai ia até você e oferecia água no copinho de transição. Se mesmo assim você chorasse e pedisse peito, eu entrava e dava. Essa parte foi surpreendente simples e
Mamando na sua cama
rápida. 


3
Em poucos dias, estava feito o desmame noturno. Isso não significa que você nunca mais mamou de madrugada, mas isso só aconteceu pouquíssimas vezes e só quando "dava zika" de madrugada (quando você ficava muito tempo acordado, a ponto de sentir fome, ou quando estava tão incomodado ou com dor que precisava de um aconchego extra - por exemplo, quando os quatro caninos resolveram nascer ao mesmo tempo!!!!) Lembro que seu pai viajou por uma semana a trabalho no início de julho e você ficou super magoadinho, choroso e agarrado a mim. E, mesmo assim, só mamou de madrugada uma vez naquela semana.

Depois, foi a vez da mamada da manhã. Como você entrou numa fase de ficar alucinado com pão, resolvemos usar isso a nosso favor. Seu pai ia até seu quarto de manhã, trocava a fralda e oferecia pão com suco. Quando eu chegava na cozinha, você nem lembrava do peito (mas eu me escondia pela casa, indo ao banheiro na ponta dos pés, por exemplo, até que pão estivesse na sua mão). Não me lembro quando foi que eu comecei a me sentir segura para ir até você de manhã, mas quando passei a revezar com o seu pai foram raras as vezes que você pediu para mamar - e eu continuei dando o peito sempre que você pediu, por quanto tempo você quisesse. Mas eu me lembro que uma vez você acordou e ficou resmungando e quando eu perguntei o que você queria, você apontou o dedinho para o meu peito e disse "Essi, essi". 

- Você quer o peitinho da mamãe? - perguntei
Você sorriu, sacudiu os bracinhos e comemorou:
- EEEEEEE!!!!
- Eu te dou, filho, o quanto e sempre que você quiser, tá? Mas deixa eu te fazer uma pergunta primeiro: você prefere o peitinho da mamãe ou quer um pãozinho?

Toda vez que fiz essa pergunta, André, você arregalou os olhinhos e parou um segundo para pensar (coisa mais linda!). Algumas vezes, você apontou de novo para o peito ou simplesmente voltou a resmungar, vindo para cima de mim - e eu te amamentei sem crise. Mas na maioria das vezes, você arregalava os olhos, sorria e saia correndo para a cozinha.

E por um bom tempo, que já não me lembro mais, você passou a mamar apenas uma vez por dia, à noite para dormir ou de madrugada se acontecesse de dormir sem mamar (quando voltávamos de algum lugar de noite e você dormia no carro, por exemplo). Mas, então, você começou a pular um dia ou outro, sempre nesse caso quando estávamos fora de casa. Se estivéssemos na casa da vovó, de amigos ou íamos a uma festa, por exemplo, já dávamos banho, janta, colocávamos uma roupa confortável e deixávamos a cadeirinha do carro bem deitada. Você chegava dormindo e dormindo ia para a cama. Às vezes, acordava para mamar. Outras vezes, dormia a noite toda, pedia pão de manhã e só ia mamar de novo na noite seguinte. Ou mesmo duas noites depois (como eu já contei NESTA CARTA AQUI!!)

Até que, um dia, você chegou acordado da casa da vovó. E como já havia mamado lá, logo antes de sair, seu pai resolveu tentar colocar você para dormir, assim, sem o peito. E conseguiu!!! (também já contei isso, na mesma cara acima). E, a partir daí, ele decidiu que o ritualzinho noturno, como nos chamamos, seria responsabilidade dele. Seu pai dava o banho, arrumava você, ia até mim para eu dar boa noite e levava você para cama. Caso você chorasse muito, eu entrava e dava o peito. Seu pai me pediu para que eu só entrasse no quarto quando ele pedisse, pois percebeu que havia uma diferença entre o choro "eu quero minha mãe" (que geralmente envolvia um dedinho ou um braço esticado para a porta, ou mesmo uma tentativa de fuga do quarto) e aquele chorinho de quem tenta resistir ao sono. Uma diferença que do lado de fora, com minha ansiedade e culpa, eu não conseguia perceber. Vítor jurou que nunca deixaria você chorando por mim sem me chamar e que faria isso imediatamente, sem enrolar você ou deixar você chorando. E, assim, você passou a mamar a cada dois ou três dias.

Sempre que você aumentava o intervalo entre as mamadas, o peito chegava a doer. Na semana seguinte, a produção de leite já tinha se ajustado. Era impressionante. Lembro que a primeira vez que você ficou três dias sem mamar foi na semana do aniversário da sua tia Nathalia (20 de setembro) e seu pai jurava que você tinha desmamado (você pediu para mamar naquela madrugada, quando voltamos do restaurante, a poucas horas de você completar 4 dias sem peitinho). Aliás, toda vez que você aumentava o intervalo entre as mamadas, seu pai dizia: "Esse menino já desmamou!" No final, já falava em tom de piada e virou até uma brincadeira nossa porque era só seu pai falar isso para você pedir para mamar no mesmo dia!

Em outubro, você passou a mamar umas duas vezes por semana só. E logo estava fazendo intervalos de 6 dias. Por quase um mês, você só mamou uma vez por semana, sempre de madrugada, sempre quando acontecia de você ficar muito tempo acordado de madrugada, sem chorar mas sem voltar a dormir, e, depois de 40 minutos a 1 hora, seu pai exausto vinha me pedir ajuda. Era só eu chegar no quarto que você pedia o peito, ora chorando, ora rindo ao me ver e apontando para o peito, ora com cara de paisagem me entregando a almofada de amamentação (simples assim, rs). Eu confesso que me sentia derrotada cada vez que você pedia o peito. Tinha a sensação que não iria funcionar nunca. Fazia de tudo para não te ver de madrugada... Nessas horas, você mamava pouco e ficava bem irritado, chorando muito depois. Acho que começou a perceber que o leite estava acabando e foi ficando frustrado com a quantidade que saía. Numa dessas madrugadas nervosas, lembro que foi perto no aniversário de namoro meu e do seu pai (22 de outubro), resolvi acalmar você contando a história do "Cachorrinho que adorava mamar", inventada naquele segundo, no desespero:

4
Era uma vez, um cachorrinho que adorava mamar no peitinho da mamãe dele. Quando o cachorrinho nasceu, ele mamava o dia todo, de manhã, de tarde, de noite, de madrugada. O cachorrinho adorava o leitinho da mamãe! Mas o cachorrinho foi crescendo, crescendo, ganhando dentinhos e começou a comer comidinhas. Primeiro, ele provou as frutas e viu que eram deliciosas: bananinha, manga, mamãozinho (as três frutas que você comia sem resistência, André, rs). Depois, começou a comer comidinhas: arroz, feijão, legumes, carninhas. Mas, mesmo assim, o cachorrinho ainda mamava muito. Ele adorava o leitinho da mamãe. Só que o tempo foi passando e o cachorrinho foi crescendo cada vez mais! E quanto mais ele crescia, mais ele gostava das comidinhas. E quanto mais ele comia, menos ele mamava. O cachorrinho foi percebendo que o leitinho da mamãe foi diminuindo, diminuindo, quase acabando. E ele ficou muito preocupado. Ele adorava comidinhas, mas ele também gostava muito de mamar na mamãe. Só que aí aconteceu uma coisa incrível, André! O cachorrinho foi deixando de ser um bebezinho e foi ficando muito esperto, muito inteligente! Ele percebeu que o que ele mais gostava naquele momento não era tanto o leitinho da mamãe, porque ele já comia de tudo, tomava suquinho, não precisava mais do leitinho. Ele percebeu que o medo dele não era de ficar sem o leitinho, mas de ficar sem a mamãe! Porque quando ele mamava, ele ficava agarradinho com a mamãe, ficava de denguinho, ganhando colo, trocando carinho. E isso era muito gostoso, mais até que o leitinho! Mas aí aconteceu outra coisa incrível, André! O cachorrinho percebeu que tudo isso iria continuar mesmo depois que o leitinho acabasse! Que mesmo sem leitinho, ele ia poder ficar agarradinho na mamãe, ganhar colinho, denguinho, carinho! Ele não precisava do leitinho para isso! Então ele ficou super feliz e disse para o peitinho: "Tchau leitinho, pode ir embora, eu não preciso mais de você. Eu já sou grande. Eu só preciso da minha mamãe e ela vai continuar aqui para sempre, mesmo sem você. Eu vou continuar agarradinho nela, vou ganhar muito colinho e fazer muito carinho na minha mamãe, mesmo quando eu não estiver mamando! Então, pode ir embora agora leitinho. Obrigado por fazer meu corpinho crescer e por eu ter tanta saúde, mas eu não preciso mais de você!" E, assim, o leitinho acabou e o cachorrinho cresceu muito feliz, porque sempre que ele queria, ele ia correndo para o colo da mamãe dele."

Filho, que momento mágico foi esse! Quando eu comecei a contar essa história, você estava muito irritado e choramingando, pulando de um peito para o outro, visivelmente bravo. Eu comecei a falar e você parou na hora! Sem tirar a boca do meu peito, mas sem mamar, arregalou os olhos na minha direção e ficou prestando a maior atenção no que eu falava. De vez em quando, dava uma "chupeitada", e logo voltava a ficar imóvel. Eu falava bem devagar, com a voz mais calma que encontrei, quase sussurrando, fazendo carinho em você. A uma certa altura, você largou o peito, deitou nele, e ficou na mesma posição de aconchego, chupando seu dedinho. Até que se levantou, sentando-se no colchão entre as minhas pernas, procurou seu cachorrinho (a escolha do personagem não foi a toa, filho, você só dorme abraçado nele), apoiou as costas no meu peito, abraçou o cachorrinho, voltou com o dedo para a boca e fechou os olhos.

Quando eu acabei de contar a história, você fez o sinal de "mais" com as mãos (você aprendeu alguns sinais de LIBRAS para se comunicar melhor com a gente, mas isso é assunto para outra carta, rs). Entendi que você queria mais história e contei tudo de novo. Na metade, você se desvencilhou dos meus braços, deitou no seu colchão e ficou agarrado no cachorrinho, com as pernas em cima de mim. Ao final da história, você estava dormindo profunda e serenamente...

(pausa para tirar o cisco que caiu aqui...)

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Contei a história do cachorrinho mais uma ou duas vezes, sempre que você queria mamar e parecia irritado com a quantidade de leite. Você continuava meu reloginho britânico, de 6 em 6 dias, e eu continuava a me surpreender com a capacidade incrível de adaptação da natureza: a cada 6 dias, meus seios já aparentemente vazios, se enchiam de leite e chegavam a doer esperando por você.

Umas duas semanas depois da primeira vez que contei a história do cachorrinho, você fez um intervalo de uns 10 dias sem mamar. Até que acordou de manhã chorando, driblou o seu pai quando ele foi até o quarto e veio chorando até mim, no meu quarto, apontando para o meu seio. A oferta de pão não adiantou e eu ofereci o peito. A mamada não durava 10 segundos e você largava o peito irritado e nervoso, chorando muito. Pulou de um seio para o outro umas duas vezes, até que eu falei algo mais ou menos assim:

Filho, lembra da história do cachorrinho que queria mamar? (e você parou por um instante para prestar atenção em mim). Lembra de quando a mamãe conversava com você que o leitinho um dia iria acabar? Então, filho, é isso. Eu sei que você gosta muito do leitinho da mamãe, igual ao cachorrinho que gostava muito do leitinho da mamãe dele. Mas você está crescendo e meninos grandes não mamam mais, sabia? A mamãe também mamava na vovó e hoje eu cresci e não mamo mais. A titia também mamava na vovó e hoje cresceu e não mama mais. (e fui repetindo a frase com todos os adultos que você conhecia, os primos de 7, 8 e 10 anos, até o papai eu citei, mesmo sabendo que ele e algumas dessas pessoas praticamente não mamaram no peito, afinal, todos tomaram leite, né? Seja artificial ou materno). Todo mundo mama, cresce e para de mamar. E está tudo bem, filho. É assim mesmo. Eu imagino que deve ser muito difícil para você essa mudança, né? Para a mamãe também é difícil. É gostoso ficar assim agarradinho na hora de mamar, né? Mas sabe o que é mais legal? É que não tem problema o leitinho acabar, filho! A mamãe vai estar sempre aqui para você, igual a mamãe do cachorrinho! Você vai ter meu colinho, meu denguinho, meu carinho sempre que você quiser. Para sempre!! Mesmo quando você for grandão! Esse denguinho nosso nunca vai acabar, meu amor. Mamãe vai estar sempre aqui, tá?

Em algum momento desse monólogo, você meteu a mão no meu sutiã de amamentação e o empurrou para baixo, deixando meus dois seios completamente à mostra. Colocou a cabeça por cima deles, fazendo-os de travesseiro, colocou o dedinho na boca e ficou ali, sereno, me ouvindo, prestando a maior atenção no que eu falava. Até que dormiu!!!! A noite tinha sido difícil, de muitas acordadas e choros (lembra que eu comentei dos quatro caninos nascendo? Então...). Você ficou dormindo no meu colo uns 10 ou 15 minutos. E eu fiquei ali, aproveitando o aconchego, num clima de despedida já nostálgico, mas dessa vez, sereno. E foi despedida! Talvez esse dia tenha sido tão marcante que eu
Pela babá eletrônica, eu acompanhava vocês
não registrei as mamadas que vieram depois, mas essa me parece ter sido a sua última mamada.

Duas semanas se passaram e você não pediu para mamar. Seu pai continuava colocando você para dormir, indo ao seu quarto em todas as acordadas da madrugada e sendo quem ia até você de manhã quando você acordava. Mas, mesmo quando me via, você não pedia mais o peito.


6
Eu confesso que não ser a responsável por colocar você para dormir, nem ter que pular da cama no susto a cada choro da madrugada, era libertador. LIBERTADOR! Minhas noites passaram a ser mais produtivas, eu comecei a voltar a tomar mais conta da casa, arrumando uma janta, lavando louça ou roupa, tirando o lixo - obrigações que estavam exclusivamente nas costas do seu pai praticamente desde a gravidez. Nesse período de transição, as noites eram assim: um colocava você para dormir, o outro cuidava da casa. Quem fazia o que dependia da sua vontade (ou não) de mamar. Depois, como você geralmente dorme cedo, íamos ver um seriado comendo alguma coisa. É engraçado, eu sempre odiei os afazeres domésticos (e ainda odeio muitos deles, a maioria), mas poder dividi-los novamente com seu pai tinha um ar de "vida voltando ao normal" que era muito prazeroso. Não ser obrigada a ficar de castigo no quarto escuro esperando você dormir era M-U-I-T-O BOM!! Filho, no final você mamava muito rápido, não durava nem 15 minutos, às vezes nem 10. E assim que acabava, você se sacudia do meu colo, pedindo para sair, e ia para sua cama. Só que demorava um bom tempo para dormir e até lá eu não podia pensar em sair do quarto, nem fazer qualquer coisa que pudesse perturbar o breu total do ambiente (como olhar no celular, por exemplo), sob o risco de um agito infinito e uma noite sem fim. A sensação era a de estar de castigo mesmo. Eu não ficava cantando, nem fazendo carinho, nem batendo no seu bumbum, nada!! Você só queria saber que estávamos (eu ou seu pai), ali. Tínhamos que ficar do seu lado, quietos, mudos, olhando para o escuro, até você dormir.  Sinceramente, um saco depois de 5 minutos - e às vezes chegava a 40, 50 minutos!!!

Mas, então, estávamos há 2 meses sem que eu colocasse você para dormir, isto é, sem que você pedisse para mamar na hora de dormir. Quase um mês com apenas uma mamada. Duas semanas seguidas sem amamentar. E aí chegamos à crise do início dessa carta. Meus sintomas haviam piorado muito. O zumbido chegou a níveis insuportáveis, minha audição dava claros sinais de que estava sendo prejudicada e eu comecei a ficar tonta de forma cada vez mais forte e mais frequente. Mesmo sem ter terminado o processo de desmame, marquei meu retorno à médica. Horário com ela é difícil e imaginei que ela iria mandar eu refazer alguns exames antes de iniciar o tratamento. Imaginei que teríamos pelo menos mais um mês de prazo. A verdade, filho, é que eu estava muito assustada com tudo o que eu estava sentindo e queria a opinião da médica sobre o quão grave era a minha situação. Mas eu confesso, André, uma parte de mim queria manter a esperança de continuar a amamentar você até quando você quisesse. Você havia iniciado o processo de dessensibilização do leite com um alergista que estava confiante na sua aceitação de leite e derivados em até 90 dias (ainda bem que não contei com isso!!) e eu descobri em um grupo maravilhoso da internet (ESSE AQUI) que existem muito mais remédios compatíveis com a amamentação do que dizem os médicos (A LISTA ESTÁ AQUI). Quem sabe o que eu preciso não vai estar nesta lista? (sim, sou boba a esse ponto). E eu ia nessa balança, ora firme no propósito de desmamar, ora querendo ir mais devagar e desacelerando tudo.

Eu escrevi o primeiro parágrafo dessa carta num domingo à noite. Minha consulta era na terça-feira seguinte (eu estava tão nervosa que fiz sua avó ir junto comigo). Naquele domingo, estávamos na casa do seu avô, para ver seu tio que morava longe e estava por lá. Lá pelas tantas, seu avô pensou em pedir uma pizza e veio discutir comigo as opções alternativas e perguntar se eu me importaria em ver os outros comendo (#muitoamor). Filho, fazia mais de um mês que eu vinha falando para o seu pai o quanto eu estava com saudade de pizza (1 ano e 3 meses, André!! Um ano e três meses!!) e como essa seria uma das primeiras coisas que eu comeria quando você desmamasse. Por isso, ele começou a me incentivar que declarássemos o desmame oficialmente concluído e comesse a pizza com a família. 

- Tem 2 semanas que ele não mama, Renata, quase não mamou no último mês e quando mamou foi o mínimo. Você tem médico daqui a dois dias e precisa começar o tratamento" - argumentava seu pai.

- Mas e se ele pedir para mamar?

- Não vai mais pedir! E se pedir, a gente diz que acabou. Você precisa cuidar de você, Renata, olha como você está!!

Sim, eu estava mal, filho. Passei aquele dia tonta, com dor de cabeça, com o ouvido que parecia que ia explodir de tanto apito interno. Na verdade, esse diálogo com o seu pai aconteceu comigo deitada no sofá, onde eu estava praticamente desde que havia chegado na casa do seu avô, de tanto mal estar que sentia. O argumento do seu pai era razoável e a vontade de pizza enorme. Não resisti. Comi a pizza. Horas depois, você dava chilique para dormir, mesmo exausto de sono. Para mim, você queria mamar. E eu não podia arriscar mais reações (você já estava sofrendo um bocado com o tratamento do alergista). Você chorava no quarto, eu chorava na sala. Com uma culpa enorme por não ter esperado mais dois dias, mesmo que racionalmente eu soubesse do sacrifício enorme que eu havia feito até ali por você. Para o seu pai, foi apenas um choro típico de quem já passou, e muito, da hora de dormir. Não sei. Mas foi. Foi assim que encerramos esse ciclo. Com uma dose de arrependimento, mas uma grande sensação de dever cumprido. E a certeza de que havia chegado ao meu limite.

Engoli a culpa com todos os queijos e leites condensados que encontrei no caminho. E lá se vão mais 4 quilos. A cada dia, escolhendo um menu diferente para matar a vontade reprimida em 1 ano e 3 meses de dieta. QUINZE MESES, André! Quem diria que eu iria conseguir??? Mas eu consegui.
Oh dúvida cruel, culpa materna!

Passei as semanas seguintes fugindo de você durante as noites/madrugadas igual diabo da cruz, em pânico com a possibilidade  de você pedir para mamar e eu ter que negar. Seu pai foi guerreiro, pois tivemos uma crise alérgica e dois ataques de mosquitos que nos colocaram no modo "madrugada viva" algumas noites. E seu pai foi segurando o rojão sozinho, mesmo tentando incentivar minha coragem. E como em coração de mãe culpa pouca é bobagem, comecei a me sentir como uma mentirosa porque na história do cachorrinho eu havia dito que o fim da amamentação não acabaria com nosso dengo e meu colinho, mas não era bem isso o que estava acontecendo no último mês. Mas eu precisava de um tempo, André. Eu realmente precisava processar melhor tudo isso.

E se eu comecei a escrever essa carta a prestação num marco tão importante, encerro esse relato num dia tão marcante quanto: hoje, pela primeira vez, coloquei você para dormir sozinha, desde que todo esse processo começou. Você demorou um pouco, mas dormiu. Sem peito. Sem choro. Sem estresse. Ufa! Eu estava muito tensa. Seu pai tinha um "vale night" e  o plano "cansar-na-casa-da-vovó-até-capotar-no-carro" não havia dado certo. Não tinha para onde correr. Acho que vou demorar alguns dias para ter coragem de fazer isso de novo. Ainda suo frio só de pensar em você pedindo o peito e eu não poder dar. Mas pelo menos agora a frase "o leitinho acabou" não seria mais uma mentira. Há semanas não sinto mais meu peito se encher de leite e a sensação é de estar tomando meu corpo de volta para mim. Aos poucos, depois de mais de 2 anos (contando os 9 meses de gravidez), meu corpo é só meu de novo. E apesar da nostalgia que já existe ao pensar em você aninhado em meus braços na amamentação, essa sensação é boa demais!! Eu posso comer o que eu quiser! Eu posso vestir qualquer roupa que eu quiser, sem me preocupar se ela permite ou não amamentar. Eu posso tomar meus remédios! Eu posso marcar compromissos de noite, a qualquer hora, sem me preocupar com a hora de dar o peito. Eu posso dormir sem sutiã e sem dor!!!! Se não fosse esse cisco que teima em cair no meu olho quando penso nesse assunto, eu até ligaria a trilha sonora de "Frozen" no último volume e sairia cantando pela rua: "livre estou, livre estooou". 

Mas tão forte quanto  essa sensação de liberdade e riso frouxo, é a pontadinha que já sinto no coração. Como disse minha psicóloga, não é só porque eu quero muito uma coisa que ela seja fácil.

Então, filho, foi assim. Eu não amamentei você até os 2 anos como gostaria. Eu incentivei, sim, o desmame, como eu não gostaria. Eu fugi de você nos últimos dois meses, como eu disse que não faria. Mas eu sempre respeitei você e sua vontade. Não sei se consegui fazer isso até o último minuto (só Deus sabe o motivo real do seu choro no início dessa carta). Mas sei que dei tudo de mim. Tudo! E mais um pouquinho. E foi maravilhoso. Foi aos poucos. Foi sem mentir. Foi com carinho. Foi com respeito. Foi sem negar peito a você nem uma única vez. Não sei se poderia ter sido melhor ou de outra forma. Não sei. Só sei que foi assim.

Vitória, 27 e 29 de novembro, 5, 15, 17 e 25 de dezembro de 2016 - 1 ano e 6 meses

* Cada parte dessa carta, representada por um número, foi escrita em um dia diferente, nas datas acima. Sim, foi difícil assim!

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