terça-feira, 26 de setembro de 2017

Uma nova mãe para uma nova educação

Postado por Mãe do André às 10:54

"Meu coração está aos pulos", escreveu Elisa Lucinda em um dos seus poemas que eu mais gosto. E essa é a única coisa que eu consigo pensar quando busco palavras para tentar explicar, André, o que tem acontecido dentro de mim. Um comichão. Uma agitação. Uma agitação igualzinha a quando eu exagero na cafeína, mas sem a cafeína. Uma sensação de estar completamente perdida, uma sensação tão forte e viva quanto a certeza de que eu finalmente me encontrei. A insegurança de quem viu todas as suas certezas e alicerces caírem por terra e se espatifarem em mil pedaços como frágeis e finas porcelanas. Ao mesmo tempo com a confiança e a convicção de quem encontrou o caminho certo. O PRÓPRIO caminho certo. Tudo isso porque eu decidi estudar pra ser mãe.

Eu não sei dizer quando exatamente aconteceu. Como tudo isso começou. Talvez ainda na Itália, quando eu descobri o mundo paralelo da maternidade na internet. Talvez no jornal, nas minhas entrevistas com psicólogos, terapeutas familiares e pedagogos. Pode ter sido de verdade mesmo só quando eu engravidei de você, André. Eu só sei que quando dei por mim, estava obcecada por  educação  e desenvolvimento infantil, lendo mil textos, acompanhando blogs e canais no YouTube, participando de páginas e grupos de mães nas redes sociais - várias redes sociais. Em menos de 2 anos, expressões que eu nunca havia ouvido antes, como amamentação exclusiva em livre demanda, pedagogia Montessori e Waldorf, criação com apego, disciplina positiva e BLW (só para citar alguns!!!) passaram a fazer parte da minha rotina - algumas dentro da nossa casa, outras apenas dentro do meu computador.

E eu, que sempre fui uma pessoa cheia de convicções e certezas quase Maquiavélicas, de repente me vi sem chão, questionando tudo aquilo que antes era sólido, óbvio e correto. Eu me vi (acho que me vejo ainda) sem chão, mas também sem paredes para me agarrar porque minhas convicções e certezas a respeito de mim mesma também estão sendo questionadas nessa reinvenção de mim que tanto tenho falado para você. E, enquanto  me questionava sobre meus próprios gostos, personalidade, sonhos, desejos e necessidades, surgiam também questões sobre minha profissão e minha maternidade. No início eu me assustei, mas agora parece óbvio: é claro que quando eu me pergunto que tipo de mãe eu quero ser, a pergunta óbvia que se segue é que tipo de ser humano eu quero ser. Todos conhecem o clichê: a criança aprende pelo exemplo. Só que eu  não gostei do exemplo que eu poderia ser.

E nessa curiosidade quase obsessiva eu li, vi, debati. Sem parar. Obriguei seu pai a vir junto nessa caminhada ainda que no mínimo necessário. Afinal, educar você é uma tarefa conjunta e eu jamais tomaria decisões (pelo menos vou tentar com todas as forças do meu ser) sem que seu pai também acredite nelas ou queria, ao menos, arriscar. E tome documentários, TED Talks, outras palestras no YouTube, textos e mais textos de blogs especializados. E quanto mais textos eu lia, quanto mais vídeos eu via, mais perdida e encantada eu ficava. Comecei a separar o joio do trigo num  profundo e quase urgente desejo de me aprofundar. Então, fui a uma palestra sobre Montessori. Fiz um curso online sobre o método. Vi e ouvi o professor José Pacheco, da Escola da Ponte, falar durante 3 horas sobre a conexão para o saber. Fui convidada a participar de estudos espíritas sobre educação do ser humano para mudar o mundo e sobre como pensar o universo profissional em busca de um mundo melhor. E hoje encerrei um workshop presencial de "Introdução ao Método Montessori" que me destruiu por dentro.  Quando eu finalmente recomeçava a reconstruir minhas certezas, tudo ruiu novamente. Eu ainda tenho tanto, TANTO, tanto a fazer....

Foram muitas noites com dificuldades para dormir, com a cabeça a mil tentando organizar tantos novos conhecimentos. Foram muitas noites maldormidas, percebendo que, no fundo, tudo estava conectado - inclusive com a nossa fé. A verdade, filho, é que aquele ditado "cuidado com o você deseja, pois você pode conseguir o que quer" é muito sábio. Finalmente ter as respostas para tudo o que eu sempre quis saber é difícil para caramba!!! É uma droga! A ponto de eu começar a concordar com o filme que diz que a ignorância é uma benção.  Por que eu fui escolher a pílula vermelha??? 

"O que vamos fazer com tudo isso?" - perguntou sua tia Isa quando o curso acabou, com o mesmo 
desespero e brilho no olhar. Na hora eu não soube responder. Mas agora eu pergunto: TUDO O QUÊ?? Quanto mais eu estudo, mais vazia eu me sinto, menos certezas eu tenho, mais eu "sei que nada sei". A sensação que tive hoje é que alguém veio aqui no meu mundinho, que eu achava tão colorido e feliz, e abriu uma janelinha. Eu espiei por ela e percebi que meu mundo era só um quartinho de fundos, pequeno, vazio e cinza. Eu estava olhando para o reflexo na caverna. Quando a janelinha abriu, uma brisa fresca e perfumada invadiu meu rosto e eu vi um jardim tão florido! Com cores e espécies que eu nem sabia que existiam. Eu vi um mundo vasto, lindo, infinito, repleto de sons e lotado de possibilidades. "Tudo", tia Isa, seria se eu estivesse do lado de lá do muro. Do outro lado da janelinha. E eu não faço a menor ideia de como abrir uma porta para chegar lá. Mas eu quero. Eu vou! Vou tentar todas as possibilidades até conseguir chegar lá!

Agora eu estou com fome de livros. Tentando não ouvir essa desesperadora voz interna que grita ensandecida que vai ser impossível ler tudo numa vida e que até lá você, André, já será um idoso que não precisará mais de mim. Uso as duas mãos para sufocar os gritos que apontam minha idade, minhas responsabilidades, meus defeitos. Sufocar o desespero de ter um mundo completamente novo para explorar e não saber por onde começar - e saber que eu preciso começar hoje, mesmo sem saber. Essa voz que grita de forma ensurdecedora que não é minha profissão, que eu não tenho experiência, que eu já tenho uma certa idade. Mas a verdade é que eu nunca me empolguei assim com nada antes. Nem com o jornalismo (e eu sempre fui apaixonada pelo jornalismo).

O fato é que tenho que fazer alguma coisa com isso, sabe-se lá como, por onde ou o quê. A verdade é que eu tenho pressa, muita pressa. E que eu preciso voltar a dormir sem ter esse comichão para acalmar. Eu  nunca fui uma pessoa de aventuras, de arriscar, de experimentar, de abraçar as incertezas. Sempre odiei a sensação de frio na barriga, de perder o controle. Mas ser mãe envolve mais adrenalina do que esporte radical. A única certeza é que a zona de conforto não está mais confortável. Ela não existe mais. E eu estou morrendo de medo! Como nunca tive antes na minha vida. Estou apavorada, mas com um sorriso no rosto. Vejo dentro de mim uma chama como há tempos eu não via - a única certeza que estou no caminho certo. 

Só espero que eu consiga algumas respostas a tempo de dividir com você, meu filho. Por que eu te amo tanto. TANTO! E vou ser eternamente grata por você ter destruído tudo de velho que existia em mim. Você merece esse novo mundo, colorido e mágico, que está atrás da janelinha, André. E eu também!
TE AMO! 

Mamãe

Vitória, 13 de novembro de 2016 (na verdade, já é dia 14, rs) - 1 ano, 5 meses e 16 dias

ATUALIZAÇÃO: Mais de 10 meses se passaram desde que eu escrevi essa carta, meu filho. E essa tentativa de transformar a janelinha em uma grande porta continua. Nesse período, eu fui estudar.  Participei de um grupo de estudos sobre a pedagogia Waldorf com quem realmente entende do assunto, fiz um curso online super intensivo sobre a pedagogia da Escola da Ponte e sobre o Projeto Âncora (sua melhor versão brasileira) e, agora, estou indo ao Rio de Janeiro uma vez por mês para fazer uma pós-graduação em educação infantil Montessori (pensa numa decisão difícil de tomar!). Também fui procurar ajuda para me entender ainda mais. Às vezes, me sinto tão perdida quanto no início dessa carta. Às vezes, vejo um caminho se abrindo à minha frente. Muita coisa mudou na minha vida e, principalmente, dentro de mim, nesses 10 meses. A verdade, André, é que eu já consegui transformar a janelinha numa grande porta, mas ela ainda está emperrada, difícil de abrir. Tenho tentado convidar pessoas para abrir essa porta comigo, mas elas vêm e vão. Eu já sei por onde quero ir, mas isso não significa que sou corajosa o suficiente para ir sem titubear. O medo é uma presença diária e minha autoconfiança não ganha todas as lutas. E como é exaustivo esse processo de mudar toda uma vida e tentar abrir portas e caminhos que você não conhece. Mas a gente está cada vez mais perto de atravessar esse muro e ir para o jardim colorido, filho! Aqui nesse quartinho cinza, não dá mais para ficar! E eu nunca quis tanto uma coisa quanto abrir essa porta que está diante de mim. Ela já está aqui, diante de mim!! Sinto que a parte mais difícil já foi. Então, me aguarde! Eu não vou desistir! ;)

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