quinta-feira, 13 de abril de 2017

Sua primeira grande crise

Postado por Mãe do André às 11:53

Olá, meu filho. Hoje preciso contar um dos dias mais desafiadores - se não o mais desafiador - que enfrentei até hoje com você: o dia da sua primeira grande crise. Começamos um processo de incentivo ao desmame, mudando algumas rotinas ligadas a esse momento de amamentação. Sem forçar a barra, sem pressão, apenas usando a política "não oferecer, mas não recusar". Fiquei pensando se isso de alguma forma tem a ver com tudo o que aconteceu. Não sei. Só sei que ontem à tarde foi tudo muito estranho. E até agora eu não consigo entender o que aconteceu.

Você acordou da soneca da tarde com cara de quem preferia ainda estar dormindo (associei isso ao fato de você ter acordado às 4h30!!!). Parecia febril, mas logo animou e começou a brincar. Ofereci fruta e você sorriu satisfeito fazendo o gesto que representa comer (começamos um ensaio de aprendizado de língua de sinais bem legal, assunto para outra carta). Preparei banana, sua preferida, e tudo ia bem até que... tudo simplesmente desandou!!

Você começou uma crise de choro que durou, pelo menos, 30-40 minutos!!! Sem parar!! "Do nada"!!(coloco entre aspas porque acredito que bebês nunca choram sem motivo, nós, adultos, é que não conseguimos identificar os motivos, às vezes). Mas foi de uma hora para outra, sem motivo aparente, que você começou a chorar. Muito. E não parou mais.

Testei três talheres diferentes (às vezes você dá escândalo porque quer comer com talheres de metal como os do papai e da mamãe), ofereci água, tentei deixar você comer sozinho. Nada. Imaginei se não era mais um capítulo da novela "a revolta do cadeirão" e coloquei você no colo. Você escorregou igual quiabo. Tentei dar comida com você em pé, comeu uma colherada e voltou a chorar. Tentei pegar no colo, você se contorceu sem que eu entendesse o que queria. Coloquei no chão, chorou ainda mais forte. Agora eu me pergunto se você queria mamar nessa hora e, como há meses você não pede para mamar de dia, eu não entendi. Vi a barriguinha dura, achei que podia ser dor, dei remédio. Nada aconteceu. Podia ser só sono. Pode ser o dentinho que está nascendo (sim, mais um!). Podia ser você querendo comida salgada, em vez de fruta (se deixar, você come arroz, feijão, carne e legumes cinco vezes por dia!). Só sei que eu não entendi e parece que você ficou bem "P" da vida comigo por causa disso!

Lembrei de uns textos que li sobre disciplina positiva, que falam que, muitas vezes, quando a criança entra numa crise de choro é porque as emoções que ela está sentindo são tão fortes que ela não consegue lidar com essas emoções. A criança simplesmente explode - e quase sempre sem nem entender direito o que está acontecendo com ela. E, nestes casos, às vezes, tudo o que a criança precisa é chorar, colocar para fora tudo o que está sentindo (no fundo, nós adultos também não somos assim? não precisamos às vezes só chorar para nos sentirmos aliviados novamente?). Li que, às vezes, a criança está tão frustrada com os pais que quer distância deles - mas sabendo que eles não vão abandoná-la e que estarão por perto quando ela precisar. Em outros textos, vi que se a criança explode com os pais devemos acolher este sofrimento, porque isso significa que os filhos se sentem seguros naquele ambiente, significa que entendem que com aqueles adultos ela não precisa estar bem e feliz para ser aceita e amada. Então, quando vi que você engatinhava para longe de mim toda vez que eu tentava me aproximar e que nada do que eu tentava fazer parecia melhor a situação, resolvi colocar a leitura em prática, por falta de alternativas. Sentei no chão a uma pequena distância de você e disse:

- Filho, você precisa chorar? Pode chorar, meu amor. Mamãe não vai embora. Vou ficar aqui. Quando você quiser o colinho da mamãe, eu estou aqui, tá?

De vez em quando, oferecia água, limpava a baba e a meleca, e esticava os braços oferecendo um colinho. Você gritava mais alto toda vez que eu me aproximava, virava de costas para mim ou engatinhava para mais longe. Eu respirava fundo enquanto repetia mentalmente o mantra "não é pessoal, não é pessoal, não é pessoal" e falava com a voz mais calma que conseguia (mesmo fervilhando por dentro):

- Você está bravo, né, filho? Eu entendo, estou vendo. Mamãe quer te ajudar, viu? quando você quiser ou estiver pronto, mamãe está aqui para te ajudar.

OU

- Eu sei que a mamãe não está entendendo o que você quer  e isso é muito chato. Mas mamãe quer te ajudar, meu filho. Às vezes, eu não te entendo, desculpa. Mas eu estou aqui. Quer um colinho gostoso da mamãe (e eu esticava os braços em sua direção, o que fazia você ir para trás). Não quer? Tudo bem, não tem problema. Quando você quiser, eu estarei aqui, tá?

Olha, filho, só Deus mesmo para explicar a calma que tomou conta de mim nessa hora. Eu cantei umas músicas calminhas de prece. Cheguei a pegar o celular para ler umas mensagens, mas desisti rápido (além de ser impossível me concentrar com o berreiro todo, achei que poderia ser desrespeitoso, afinal, eu tinha que mostrar que estava presente). Respirei fundo mil vezes seguidas. Contei até mil. Rezei muito, pedindo mentalmente ajuda a toda força extracorpórea que consegui me lembrar. Repeti internamente que eu era o adulto, que eu precisava dar o exemplo e manter o controle das minhas próprias emoções, e que você tinha o direito de chorar, de ter um dia ruim, e de colocar suas emoções para fora sem que isso me afastasse de você. Mas, olha, a vontade era sair correndo e não voltar nunca mais! Ou de gritar e chorar junto! E também tive muita vontade de dar uns tapas em você. Mas eu fiquei ali. Sentada no chão da sala. Com a melhor cara de alface que eu consegui. Digna de Oscar.

Aos poucos, você começou a se acalmar. Continuava chorando, mas menos, sem aquele desespero todo, mais um resmungo. Mas se tentasse tocar você, você voltava a chorar forte. Então, apelei. Não sei o que o autor do tal texto iria achar sobre a minha tática, mas saquei o celular, achei uns vídeos do "Mundo Bita" e fingi me divertir com eles, deixando o celular numa posição em que você conseguia ver. (Eu sei, você nem deveria ter contato com tela antes dos 2 anos, né? É mas a gente faz o que pode. #maternidadereal). O choro foi diminuindo até que parou. Você encarava o celular,  mas ainda me olhava desconfiado, soluçando de vez em quando. Se eu tentasse falar com você, você emburrava e voltava a resmungar.

- Lembrou que está com raiva da mamãe? Tudo bem, não tem problema. Vou ficar aqui vendo o Bita, tá? Não vou até aí se você não quiser.

Três ou quatro músicas depois, você estava rindo, ameaçou até a dançar. Olhei nos seus olhos e você não virou o rosto, sorriu. Sem me mexer, ofereci:

- Vem aqui ver o Bita com a mamãe, vem!

Você engatinhou até o meu colo sorrindo, se sentou, apoiou as costas e a cabecinha no meu peito e, assim, aconchegadinhos, vimos mais alguns vídeos. UFA!!!! QUE ALÍVIO! ACABOU!


Foi somente quando você começou a brincar animado pela casa que eu percebi o quanto eu estava nervosa. Eu descontei na comida e saí comendo tudo o que vi pela frente até a hora do jantar! Ainda ofereci aquela banana perdida lá na mesa, mas você continuou a recusá-la. Ofereci outra fruta, mais fresquinha, mas você também não quis. Só duas horas depois aceitou jantar (cinco ou seis horas depois da sua última refeição!!!). E, graças a Deus, seu pai topou vir um pouco mais cedo para casa e chegou bem hora do jantar, porque só então eu percebi como toda minha energia havia sido usada para não pirar. Para não explodir, gritar, dar uns tapas em você. Antes das 21 horas eu já estava dormindo no sofá. Estava esgotada, frustrada por não ter conseguido entender (até agora não sei o que aconteceu, qual ou quais foram os gatilhos!). Mas estava feliz por ter conseguido manter a calma e ter acolhido seu choro em vez de deixar você chorando abandonado num canto (que foi meu instinto inicial) ou, pior ainda, sem ficar dizendo bobagens como "engole do choro" ou "homem não chora". Sim, filho, para mim é bem diferente permitir que você chore - e estar ali presente, para acolher você - e deixar você chorando bem longe de mim até que você se acalme, como se eu só fosse sua mãe quando você estiver bem e equilibrado (vou escrever uma outra carta só sobre isso).

Esse dia foi muito difícil porque você se recusou a mamar de noite, completando pela segunda vez nesta semana 48 horas sem mamar. Outro assunto para outra carta, já que ainda não tenho forças para relembrar tudo o que aconteceu, quanto mais escrever sobre isso. Eu me sinto vitoriosa e derrotada ao mesmo tempo. Esgotada, frustrada e triste porque tento repassar tudo o que fiz, tudo o que aconteceu naquele dia, e não consigo identificar seus gatilhos, não consigo entender até agora o que você queria, o que deixou você tão bravo. E me sinto um lixo de mãe por causa disso. Uma mãe incapaz de entender as necessidades do próprio filho. Por outro lado, eu acolhi seu choro, eu respeitei seu tempo, eu deixei você sentir suas emoções. Incrivelmente, a Renata explosiva e sem paciência foi vencida. Eu não bati em você. Eu sequer gritei!!! Eu não fugi de casa. Eu usei todas as minhas forças para usar a empatia. Eu fiquei. E tenho muito orgulho de mim por causa disso. Eu fiquei, filho. E, sinceramente, não existe mais nada que eu possa exigir de mim além disso.

Vitória, 2 de agosto de 2016 - 1 ano, 2 meses e 4 dias

Comente pelo Facebook:


0 comentários no blog:

Postar um comentário

 

Cartas para meu filho Copyright © 2014 Design by Amandinha Layouts Amandinha Layouts