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Eis a sociedade olhando para o seu choro |
Vou aproveitar que você está
dormindo, André, e dormindo num horário em que geralmente você não dorme, para gravar esse áudio
rapidinho e ver se eu consigo registrar uma carta que há muuuito tempo eu
quero escrever para você. Muito tempo mesmo! É sobre o seu choro. E sobre como ele perturba a sociedade doente em que a gente vive.
Eu acho tão
engraçado, filho (para não usar uma palavra pior), a maneira como a sociedade simplesmente
não consegue lidar com o choro de criança. Todo mundo sabe que um bebê só tem o
choro como forma de expressão, não é mesmo? Você não sabe falar, não sabe pedir
e, durante muitos meses, não consegue sequer apontar para o que
você quer. Sua única forma de comunicação é o choro. Você chora para dizer que
cansou de ficar sozinho, chora para dizer que tem algo incomodando você –
seja fralda suja, roupa apertada, calor ou frio – , chora para dizer que
está com fome, chora para dizer que está com dor. Todo mundo sabe. Não existe
um ser humano saudável no planeta Terra que não saiba que o choro é a forma natural, e a única
forma, de um bebê se comunicar. Como diz uma amiga minha que é pediatra:
cachorros latem, gatos miam, bebês choram. Simples, né? Óbvio, até! Mas a nossa sociedade simplesmente não consegue lidar com isso, filho!! É impressionante como as pessoas
ficam perturbadas quando um bebê chora. PERTURBADAS!
A explicação parece óbvia: na nossa sociedade, as emoções mais simples não são aceitas, inclusive
entre os adultos. Chorar de uma alegria incontrolável é até aceitável, mas,
mesmo assim, visto com ressalvas. Uma mulher que chora “demais”, por qualquer
emoção, é vista como uma descontrolada, muitas vezes uma desequilibrada. É um
pessoa fraca, que não é forte emocionalmente. Homem que chora tem sua
masculinidade questionada. É um fraco, é uma “mulherzinhaa” (olha o machismo
aí, gente!), é gay, é qualquer coisa de ofensivo. E mais: as pessoas associam o choro à dor, ao sofrimento. E a gente
está num mundo onde ninguém quer ver a dor e o sofrimento do outro. Ninguém faz
desabafos de seus sentimentos ruins nas redes sociais. A gente quer perfeição,
a gente quer uma vida que só tenha alegria e momentos lindos, que só tenha flores pelo caminho,
sem espinhos. Então o sofrimento virou o sinal de que algo está errado. O sinal de
que alguém falhou, que não conseguiu, sinônimo de fracasso. Você não pode
sofrer. E, consequentemente, você não pode chorar. É uma derrota. Você tem que controlar suas
emoções, sua vida tem que ser perfeita, só de alegria e felicidade. E o choro é a prova que você falhou nesse ideal de perfeição.
E se essa ideia já é absurda para um adulto, vai explicar isso para um bebê...
E se essa ideia já é absurda para um adulto, vai explicar isso para um bebê...
Uma coisa que eu notei, filho,
desde o início, é que encarar o choro do bebê como um sinal de
que algo está errado e que precisa ser consertado (portanto, sinal de que algo precisa ser feito) é pesado demais e muito ruim para os pais. Porque se torna um sinal de
fracasso: seu filho está sofrendo, seu filho está sentindo alguma coisa ruim, e
se você não consegue identificar rapidamente o que é, consertar o problema e cessar o choro, é
sinal de que você é incompetente. Você é uma mãe ruim. Um pai ruim. Você é
incapaz de dar alegria e felicidade para o seu filho. Um bebê que precisa de
tão pouco! Basta apenas ter suas necessidades básicas saciadas! Mas você não é capaz de entender o quais são as necessidades do seu próprio filho! Que vexame!
Sabe, André, eu fico muito feliz de eu e seu pai termos lido tanta coisas durante a gravidez. Textos que nos alertaram para a bobagem desse raciocínio e para o peso que esse pensamento pode causar nos recém-pais. Porque é mais do que isso. O choro é a expressão do bebê. E eu acho engraçado porque o choro é a expressão dos adultos também. Todo mundo sabe que quando você está no auge do estresse, no auge do cansaço, com uma tristeza muito profunda, ou mesmo com uma alegria que está explodindo dentro de você, o choro é o jeito de colocar para fora tudo aquilo e de se reequilibrar. O choro acalma. Quantas vezes a gente já tentou consolar um adulto e ele respondeu “eu só preciso chorar” ou “só preciso colocar para fora”? E a gente tem raciocínio, a gente entende as consequências das coisas, a gente consegue entender o que está acontecendo, a gente consegue racionalizar e ver que aquilo vai passar, que é temporário ou que é natural. Como a dor de perder uma pessoa muito querida, por exemplo. A gente sabe que a morte é natural e, mesmo assim, a gente precisa chorar, precisa sentir aquele luto. Imagine um bebê que não entende o que está acontecendo com ele, que não entende no início nem que ele é uma pessoa separada da mãe! Imagine um bebê que não sabe se aquilo que ele está sentido é fome ou frio, e que depende de uma pessoa até para sair de uma posição desconfortável! O choro é uma válvula de escape.
E mais do que isso ainda. Eu entendo que o choro do bebê, algumas vezes, é simplesmente inevitável e que não há nada que você possa fazer. Como aquele choro por conta das cólicas dos primeiros três meses. Eu dei remédio, probióticos, antigases, fiz compressas de água quente, massagens com óleos, banho de balde... A gente pode fazer várias coisas para tentar aliviar. Mas a verdade mesmo, e qualquer pediatra pode afirmar isso, é que nada do que você fizer irá curar, passar, resolver ou tirar essa dor da cólica do seu bebê. Faz parte do desenvolvimento do sistema gástrico-digestivo da criança e todo bebê vai passar por isso (uns com mais intensidades do que outros, mas todos passam). O bebê não vai se lembrar, não vai ficar traumatizado com isso. Muitas vezes são os pais que ficam, rs. É normal, faz parte e vai passar, independente do que você fizer ou não fizer. Não é um sinal de incompetência, não é você que está errando e deixando seu filho sofrer. Não estou dizendo que, com isso, devemos abandonar todas essas medidas paliativas, nem que não devemos tentar qualquer coisa que possa trazer um alívio para o bebê. Mas, no caso específico das cólicas, que é o exemplo que estou usando aqui, a principal coisa que a gente deve fazer, eu acho, é manter a nossa própria calma, por mais desesperador que seja ouvir aquela criança chorando por horas e horas e horas. É tentar manter a calma, segurar sua mãozinha e esperar passar. É dizer:
Sabe, André, eu fico muito feliz de eu e seu pai termos lido tanta coisas durante a gravidez. Textos que nos alertaram para a bobagem desse raciocínio e para o peso que esse pensamento pode causar nos recém-pais. Porque é mais do que isso. O choro é a expressão do bebê. E eu acho engraçado porque o choro é a expressão dos adultos também. Todo mundo sabe que quando você está no auge do estresse, no auge do cansaço, com uma tristeza muito profunda, ou mesmo com uma alegria que está explodindo dentro de você, o choro é o jeito de colocar para fora tudo aquilo e de se reequilibrar. O choro acalma. Quantas vezes a gente já tentou consolar um adulto e ele respondeu “eu só preciso chorar” ou “só preciso colocar para fora”? E a gente tem raciocínio, a gente entende as consequências das coisas, a gente consegue entender o que está acontecendo, a gente consegue racionalizar e ver que aquilo vai passar, que é temporário ou que é natural. Como a dor de perder uma pessoa muito querida, por exemplo. A gente sabe que a morte é natural e, mesmo assim, a gente precisa chorar, precisa sentir aquele luto. Imagine um bebê que não entende o que está acontecendo com ele, que não entende no início nem que ele é uma pessoa separada da mãe! Imagine um bebê que não sabe se aquilo que ele está sentido é fome ou frio, e que depende de uma pessoa até para sair de uma posição desconfortável! O choro é uma válvula de escape.
E mais do que isso ainda. Eu entendo que o choro do bebê, algumas vezes, é simplesmente inevitável e que não há nada que você possa fazer. Como aquele choro por conta das cólicas dos primeiros três meses. Eu dei remédio, probióticos, antigases, fiz compressas de água quente, massagens com óleos, banho de balde... A gente pode fazer várias coisas para tentar aliviar. Mas a verdade mesmo, e qualquer pediatra pode afirmar isso, é que nada do que você fizer irá curar, passar, resolver ou tirar essa dor da cólica do seu bebê. Faz parte do desenvolvimento do sistema gástrico-digestivo da criança e todo bebê vai passar por isso (uns com mais intensidades do que outros, mas todos passam). O bebê não vai se lembrar, não vai ficar traumatizado com isso. Muitas vezes são os pais que ficam, rs. É normal, faz parte e vai passar, independente do que você fizer ou não fizer. Não é um sinal de incompetência, não é você que está errando e deixando seu filho sofrer. Não estou dizendo que, com isso, devemos abandonar todas essas medidas paliativas, nem que não devemos tentar qualquer coisa que possa trazer um alívio para o bebê. Mas, no caso específico das cólicas, que é o exemplo que estou usando aqui, a principal coisa que a gente deve fazer, eu acho, é manter a nossa própria calma, por mais desesperador que seja ouvir aquela criança chorando por horas e horas e horas. É tentar manter a calma, segurar sua mãozinha e esperar passar. É dizer:
Olha, filho, eu estou aqui. Eu
sei que é ruim, mas vai passar. E eu estou aqui. Vai passar e você não vai se lembrar!
ou
ou
Mamãe e papai
estão aqui, do seu ladinho, e vamos ficar aqui te ajudando, te acolhendo, te
fazendo companhia... ATÉ PASSAR! E vai passar, meu filho.
E essa foi uma espécie de
treinamento para a vida que eu e seu pai nos obrigamos a fazer. A
gente optou por não dar chupeta a você, né, filho? Essa foi uma decisão superpolêmica na
nossa família, mas você teve dificuldade para mamar e amamentar você era uma
coisa muito importante para mim, então eu e seu pai preferimos não arriscar.
Então, tivemos que enfrentar várias crises de cólica sem chupeta. E nós fomos muito criticados por isso, André. Como se você estivesse chorando apenas por culpa de um egoísmo nosso. Mas eu acho que era o contrário de egoísmo, porque era muito mais difícil não ter o "cala boca" que a chupeta representa nessa hora, ficar o dia inteiro com você no peito para que você pudesse se aliviar e ainda ter que enfrentar tanto choro assim, "de cara lavada". Mas o
choro do bebê, se visto como algo natural e como válvula de escape, não é tão
desesperador como quando é visto como sinal de que algo está errado e precisa
ser consertado imediatamente. Não vou dizer que seu choro nunca me enlouqueceu,
filho, seria uma mentira enorme. Mas eu acho sinceramente que eu e seu pai
estamos de parabéns, porque a gente realmente conseguiu colocar isso em prática.
Manter a calma, porque quando você percebe que a gente está tranquilo fica mais
fácil você se tranquilizar, segurar sua mãozinha, dar muito carinho, muito
beijinho, muito colinho, abraço e dizer: eu sei que é ruim, mas eu estou aqui e
vou ficar com você até passar. E vai passar.
E isso é um treinamento para a vida, filho, porque eu não vou, nunca, conseguir livrar você das dores do mundo. Existem sofrimentos que são inevitáveis, e eu não só não vou conseguir blindar você contra eles, como nem devo. Porque eles fazem parte da vida, do crescimento, do amadurecimento, da formação do caráter. Em vários momentos da sua vida, eu não vou poder fazer nada para diminuir sua dor. Na primeira vez que você amar alguém e não for correspondido, por exemplo, vai doer. E não vai ter nada que eu possa fazer. E tentar silenciar essas emoções negativas, para não sentir esse sofrimento, seja com bebida, cigarro, comida ou qualquer outra coisa como simplesmente “engolir o choro” e não se permitir, não vai te fazer bem.
E olha que eu estou dando exemplos de coisas que são realmente negativas. Na cólica, você está com dor, você está sofrendo. O amor não correspondido é um sofrimento absurdo. Mas eu realmente acredito que o choro do bebê nem sempre significa esse sofrimento todo. Às vezes é só uma comunicação, uma forma de extravasar, às vezes é só uma forma de você se reequilibrar de um sentimento com o qual você não está conseguindo lidar - até porque muitas vezes você nem sabe o que é!! Às vezes você está cansado demais, você está com muita fome, você está com muito sono e chega um momento em que você vai estar tão sobrecarregado com essas emoções que mesmo se eu te der comida você vai continuar chorando, ou enquanto não dormir, vai chorar. E OK!! Tudo bem!
O que eu quero te dizer, filho, é: PODE CHORAR! Pode chorar, meu amor. Eu amo você de qualquer de qualquer jeito. Isso significa que eu vou aceitar todas as suas emoções, positivas e negativas. E eu acho isso tão importante no mundo de hoje, filho!! Eu acredito que tantos problemas que eu vejo hoje por aí são por causa dessas emoções não vividas, engolidas, não aceitas. A verdade é que as pessoas querem não sentir essas emoções negativas, então elas negam o que estão sentindo, fingem que elas não estão ali. As pessoas hoje não podem assumir que estão com inveja de outra pessoa, ou com raiva, ou que estão tristes. Porque uma pessoa que está triste chorando, ou com raiva são vistas como pessoas erradas. Elas não podem sentir aquilo, não podem ser assim, é ruim. E eu acredito e, graças a Deus alguns profissionais da área da saúde concordam comigo, é que não viver essa emoção que você já está sentindo, não assumi-la, vai fazer com que ela fique muito mais forte e por muito mais tempo.
E, pior, pense na mensagem que eu vou passar, filho, se eu não aceitar seu choro. Se toda vez que você chorar eu ficar perturbada, incomodada, irritada comigo mesmo (ou com você) ou apavorada porque preciso fazer algo para acabar com esse choro, o que isso significa? Significa que, mesmo não querendo, eu vou passar a mensagem de que você não pode sentir o que você está sentido. Ou, pior, que a mamãe não gosta de você quando você está assim, que suas emoções ruins vão afetar negativamente a sua mãe, que seu choro também me faz mal. O que qualquer ser humano vai fazer diante de uma mensagem dessas? Vai fazer de tudo para não sentir essas emoções negativas, para engolir o choro, para ser forte e não chorar, para não demonstrar essa raiva, afinal, além de eu me sentir mal, vou fazer mal à minha mãe e ao meu pai!!! Mas a raiva está ali, o choro está ali, as emoções negativas estão ali e, para mim, a única forma delas não fazerem grandes estragos é serem colocadas para fora. E serem reconhecidas como parte da vida. E que também vão passar. Nós temos que lidar com os sentimentos ruins da vida, filho. Não sentir tanta culpa por eles a ponto de fingir que eles não estão aqui. Porque vão estar, sempre. Nós precisamos senti-los, nós precisamos lidar com eles. E só assim não seremos dominados por esse rolo compressor!
Eu quero, filho, que você saiba que eu estou do seu lado nos momentos bons e nos momentos ruins. E que você não vai estar me perturbando, me incomodando ou me atrapalhando porque naquele dia você está mal – qualquer que seja esse mal. Eu quero dividir com você, filho, as lágrimas e os sorrisos. Eu não quero você perto de mim só quando você está bem. Só quando você está feliz. E eu sei que parece ser uma frase absurda porque eu não duvido do amor dos pais que não suportam o choro do bebê. Essas pessoas amam tanto seus filhos que querem fazer de tudo para que eles não sofram e, por isso, sofrem junto. Mas, inconscientemente, eu acho que é essa a mensagem que elas passam. Eu não estou generalizando, André. Eu estou analisando uma situação muito específica e não posso dizer que o resultado vai ser trágico para todas as pessoas. Nada é preto no branco na vida. Mas eu realmente acredito que somente aceitando nossas emoções negativas é que nós não vamos ser dominados por elas. E que só assim vamos ter equilíbrio. E acredito também que uma pessoa que perde um ente querido e não se permite chorar, por exemplo, não se permite sofrer o luto, sentir essa dor e lamentar essa ausência, seja porque “Ah, eu sou cristão e tenho que ter confiança em Deus” ou “nada acontece por acaso” ou porque “a pessoa era mais velha e é a ordem natural das coisas” ou qualquer outro motivo que a pessoa se coloque (“não sou fraco”, “não sou isso ou aquilo”), essa dor vai ser muito mais intensa e por muito mais tempo. E dores inconscientes causam estragos muuuuuuito maiores do que alguns minutos de choro sentido e sonoro. É o que eu acredito.
Não é fácil. Claro que não é fácil. Estamos numa sociedade que cobra da gente perfeição, felicidade eterna e comercial de margarina 24 horas por dia. Mas eu não quero que seja assim com você, filho. Não quero que esconda de mim seus sentimentos mais negativos. Eu quero, se for possível e se eu for capaz, é esmiuçar com você cada um desses sentimentos, colocar para fora todos eles. Para gente poder realmente aprender quais são os nossos gatilhos, quais são as situações e os sentimentos que aguçam, vamos dizer assim, o nosso “lado negro da força” para que, fazendo um verdadeiro trabalho de autoconhecimento, a gente possa dominar esse lado escuro que todo mundo tem.
Eu acho, sinceramente, filho, que aceitar nossas emoções e colocá-las para fora é a única forma de fazer com que elas doam menos. Que sejam muito menos penosas. Eu não quero que você engula seu choro. Não quero sufocar o seu choro, nem com chupeta, nem com comida, nem com bebida, nem com compras, brinquedos, ou qualquer outra aquisição, nem com passeios e fotos falsas nas redes sociais. Quero que você seja você, filho. Com tudo o que é seu. Com toda a carga emocional que você tiver no seu peito. E, assim, juntos, a gente vai aprendendo a ter equilíbrio na vida, a não nos deixarmos dominar por nossas emoções, a ter autocontrole e a ver a vida de uma forma que a gente não se perca num turbilhão de sentimentos descontrolados. Não vai ser ignorando o que você está sentindo que eu vou fazer isso. Muito menos tentando exigir isso de um bebê ou de uma criança pequena.
Por tudo isso, eu já fui acusada de ser uma má mãe, já foi acusada de “deixar você chorando” sem necessidade. Mas para mim, há uma diferença enorme em “deixar você chorando”, abandonado à sua própria dor para aprender a parar e a lidar com isso sozinho, e acolher o seu choro, permitir que você sentia o que quer que seja que você esteja sentindo. Filho, você NUNCA vai chorar sozinho (a menos que queira assim). Eu vou estar do seu lado. Todas as vezes que você quiser e todas as vezes que você precisar. Não vou fingir que seu choro não aperta meu peito. Mas o seu silêncio vai me fazer sofrer muito mais. MUITO MAIS!
Eu fiquei muito feliz, e não sei se cabe nessa carta, a primeira vez que eu realmente consegui colocar isso em prática (quer dizer, sem falar das cólicas – mas eu acho que as cólicas são algo mais instintivo, mais racional, você era muito pequenininho, não entendia direito). Eu falo dessa vez aqui, em que eu permiti que você chorasse. Eu fiquei muito feliz comigo. Não foi fácil. Não foi NADA fácil. Mas eu acho que é por aí. Eu não quero que você tenha vergonha dos seus sentimentos, meu filho, por pior que eles sejam. Não vamos ter vergonha, vamos aceitar, vamos trabalhar e, se for preciso, se eles estiverem desordenados, vamos dar algum jeito, estudar, conversar, arrumar uma forma de colocá-los no trilho de novo.
Se você quer chorar, filho, CHORA! Chora! Põe para fora sua frustração, sua raiva de mim, do seu pai ou de qualquer regra! Põe para fora o seu cansaço! Coloque para fora a sua dor! Não importa o que esse sociedade diz sobre suas lágrimas, filho, são elas que lavam a alma! E eu quero você de alma limpa. Então, filho, se você quiser, pode chorar! Pode chorar! Eu não vou ignorar a sua dor. E você nunca vai chorar sozinho.
E isso é um treinamento para a vida, filho, porque eu não vou, nunca, conseguir livrar você das dores do mundo. Existem sofrimentos que são inevitáveis, e eu não só não vou conseguir blindar você contra eles, como nem devo. Porque eles fazem parte da vida, do crescimento, do amadurecimento, da formação do caráter. Em vários momentos da sua vida, eu não vou poder fazer nada para diminuir sua dor. Na primeira vez que você amar alguém e não for correspondido, por exemplo, vai doer. E não vai ter nada que eu possa fazer. E tentar silenciar essas emoções negativas, para não sentir esse sofrimento, seja com bebida, cigarro, comida ou qualquer outra coisa como simplesmente “engolir o choro” e não se permitir, não vai te fazer bem.
E olha que eu estou dando exemplos de coisas que são realmente negativas. Na cólica, você está com dor, você está sofrendo. O amor não correspondido é um sofrimento absurdo. Mas eu realmente acredito que o choro do bebê nem sempre significa esse sofrimento todo. Às vezes é só uma comunicação, uma forma de extravasar, às vezes é só uma forma de você se reequilibrar de um sentimento com o qual você não está conseguindo lidar - até porque muitas vezes você nem sabe o que é!! Às vezes você está cansado demais, você está com muita fome, você está com muito sono e chega um momento em que você vai estar tão sobrecarregado com essas emoções que mesmo se eu te der comida você vai continuar chorando, ou enquanto não dormir, vai chorar. E OK!! Tudo bem!
O que eu quero te dizer, filho, é: PODE CHORAR! Pode chorar, meu amor. Eu amo você de qualquer de qualquer jeito. Isso significa que eu vou aceitar todas as suas emoções, positivas e negativas. E eu acho isso tão importante no mundo de hoje, filho!! Eu acredito que tantos problemas que eu vejo hoje por aí são por causa dessas emoções não vividas, engolidas, não aceitas. A verdade é que as pessoas querem não sentir essas emoções negativas, então elas negam o que estão sentindo, fingem que elas não estão ali. As pessoas hoje não podem assumir que estão com inveja de outra pessoa, ou com raiva, ou que estão tristes. Porque uma pessoa que está triste chorando, ou com raiva são vistas como pessoas erradas. Elas não podem sentir aquilo, não podem ser assim, é ruim. E eu acredito e, graças a Deus alguns profissionais da área da saúde concordam comigo, é que não viver essa emoção que você já está sentindo, não assumi-la, vai fazer com que ela fique muito mais forte e por muito mais tempo.
E, pior, pense na mensagem que eu vou passar, filho, se eu não aceitar seu choro. Se toda vez que você chorar eu ficar perturbada, incomodada, irritada comigo mesmo (ou com você) ou apavorada porque preciso fazer algo para acabar com esse choro, o que isso significa? Significa que, mesmo não querendo, eu vou passar a mensagem de que você não pode sentir o que você está sentido. Ou, pior, que a mamãe não gosta de você quando você está assim, que suas emoções ruins vão afetar negativamente a sua mãe, que seu choro também me faz mal. O que qualquer ser humano vai fazer diante de uma mensagem dessas? Vai fazer de tudo para não sentir essas emoções negativas, para engolir o choro, para ser forte e não chorar, para não demonstrar essa raiva, afinal, além de eu me sentir mal, vou fazer mal à minha mãe e ao meu pai!!! Mas a raiva está ali, o choro está ali, as emoções negativas estão ali e, para mim, a única forma delas não fazerem grandes estragos é serem colocadas para fora. E serem reconhecidas como parte da vida. E que também vão passar. Nós temos que lidar com os sentimentos ruins da vida, filho. Não sentir tanta culpa por eles a ponto de fingir que eles não estão aqui. Porque vão estar, sempre. Nós precisamos senti-los, nós precisamos lidar com eles. E só assim não seremos dominados por esse rolo compressor!
Eu quero, filho, que você saiba que eu estou do seu lado nos momentos bons e nos momentos ruins. E que você não vai estar me perturbando, me incomodando ou me atrapalhando porque naquele dia você está mal – qualquer que seja esse mal. Eu quero dividir com você, filho, as lágrimas e os sorrisos. Eu não quero você perto de mim só quando você está bem. Só quando você está feliz. E eu sei que parece ser uma frase absurda porque eu não duvido do amor dos pais que não suportam o choro do bebê. Essas pessoas amam tanto seus filhos que querem fazer de tudo para que eles não sofram e, por isso, sofrem junto. Mas, inconscientemente, eu acho que é essa a mensagem que elas passam. Eu não estou generalizando, André. Eu estou analisando uma situação muito específica e não posso dizer que o resultado vai ser trágico para todas as pessoas. Nada é preto no branco na vida. Mas eu realmente acredito que somente aceitando nossas emoções negativas é que nós não vamos ser dominados por elas. E que só assim vamos ter equilíbrio. E acredito também que uma pessoa que perde um ente querido e não se permite chorar, por exemplo, não se permite sofrer o luto, sentir essa dor e lamentar essa ausência, seja porque “Ah, eu sou cristão e tenho que ter confiança em Deus” ou “nada acontece por acaso” ou porque “a pessoa era mais velha e é a ordem natural das coisas” ou qualquer outro motivo que a pessoa se coloque (“não sou fraco”, “não sou isso ou aquilo”), essa dor vai ser muito mais intensa e por muito mais tempo. E dores inconscientes causam estragos muuuuuuito maiores do que alguns minutos de choro sentido e sonoro. É o que eu acredito.
Não é fácil. Claro que não é fácil. Estamos numa sociedade que cobra da gente perfeição, felicidade eterna e comercial de margarina 24 horas por dia. Mas eu não quero que seja assim com você, filho. Não quero que esconda de mim seus sentimentos mais negativos. Eu quero, se for possível e se eu for capaz, é esmiuçar com você cada um desses sentimentos, colocar para fora todos eles. Para gente poder realmente aprender quais são os nossos gatilhos, quais são as situações e os sentimentos que aguçam, vamos dizer assim, o nosso “lado negro da força” para que, fazendo um verdadeiro trabalho de autoconhecimento, a gente possa dominar esse lado escuro que todo mundo tem.
Eu acho, sinceramente, filho, que aceitar nossas emoções e colocá-las para fora é a única forma de fazer com que elas doam menos. Que sejam muito menos penosas. Eu não quero que você engula seu choro. Não quero sufocar o seu choro, nem com chupeta, nem com comida, nem com bebida, nem com compras, brinquedos, ou qualquer outra aquisição, nem com passeios e fotos falsas nas redes sociais. Quero que você seja você, filho. Com tudo o que é seu. Com toda a carga emocional que você tiver no seu peito. E, assim, juntos, a gente vai aprendendo a ter equilíbrio na vida, a não nos deixarmos dominar por nossas emoções, a ter autocontrole e a ver a vida de uma forma que a gente não se perca num turbilhão de sentimentos descontrolados. Não vai ser ignorando o que você está sentindo que eu vou fazer isso. Muito menos tentando exigir isso de um bebê ou de uma criança pequena.
Por tudo isso, eu já fui acusada de ser uma má mãe, já foi acusada de “deixar você chorando” sem necessidade. Mas para mim, há uma diferença enorme em “deixar você chorando”, abandonado à sua própria dor para aprender a parar e a lidar com isso sozinho, e acolher o seu choro, permitir que você sentia o que quer que seja que você esteja sentindo. Filho, você NUNCA vai chorar sozinho (a menos que queira assim). Eu vou estar do seu lado. Todas as vezes que você quiser e todas as vezes que você precisar. Não vou fingir que seu choro não aperta meu peito. Mas o seu silêncio vai me fazer sofrer muito mais. MUITO MAIS!
Eu fiquei muito feliz, e não sei se cabe nessa carta, a primeira vez que eu realmente consegui colocar isso em prática (quer dizer, sem falar das cólicas – mas eu acho que as cólicas são algo mais instintivo, mais racional, você era muito pequenininho, não entendia direito). Eu falo dessa vez aqui, em que eu permiti que você chorasse. Eu fiquei muito feliz comigo. Não foi fácil. Não foi NADA fácil. Mas eu acho que é por aí. Eu não quero que você tenha vergonha dos seus sentimentos, meu filho, por pior que eles sejam. Não vamos ter vergonha, vamos aceitar, vamos trabalhar e, se for preciso, se eles estiverem desordenados, vamos dar algum jeito, estudar, conversar, arrumar uma forma de colocá-los no trilho de novo.
Se você quer chorar, filho, CHORA! Chora! Põe para fora sua frustração, sua raiva de mim, do seu pai ou de qualquer regra! Põe para fora o seu cansaço! Coloque para fora a sua dor! Não importa o que esse sociedade diz sobre suas lágrimas, filho, são elas que lavam a alma! E eu quero você de alma limpa. Então, filho, se você quiser, pode chorar! Pode chorar! Eu não vou ignorar a sua dor. E você nunca vai chorar sozinho.
25 de agosto de 2016 – quase 1
ano e 3 meses
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