domingo, 20 de dezembro de 2015

O meu pós-parto

Postado por Mãe do André às 23:35
Nós dois,  menos de 24h após seu nascimento
Está aí uma carta que enrolei para escrever, filho. Sinceramente, eu fiquei me perguntando se valia mesmo a pena registrar essa que, para mim, foi a pior parte da sua chegada. A Natureza é sábia, filho. Acho que as mulheres não se esquecessem desse período à toa. Às vezes acho que estou desafiando a própria sorte ao fazer esses registros, rs. Mas fiquei olhando as várias anotações que fiz no meu pós-parto e pensando que o fato de uma experiência ter um lado ruim não impede que ela seja maravilhosa, não é mesmo? E eu prometi sinceridade. Então vamos lá!



Como eu já citei antes, não fui daquelas mulheres que se sentem ótimas após a cesária. Você nasceu em uma sexta-feira à noite e o sábado inteiro foi de uma dor absurda mesmo com o mínimo movimento. Quando as enfermeiras chegaram já no meio da manhã (deveria ser umas 9h ou 10h) dizendo  para eu me levantar para tirar a roupa da cirurgia e tomar banho eu JURO que achei que era piada. Como assim levantar? Ficar de pé? Cadê a cadeira de rodas? A pessoa que vai me levar no colo? Não, filho, não era piada. Mesmo com a ajuda de duas enfermeiras, e com o alívio que foi tomar um banho e vestir uma roupa limpa (eu ainda estava toda ensanguentada), aquilo pareceu uma tortura. Eu via estrelas! Depois que eu estava de pé, me movimentar nem era tão difícil, mas levantar ou me sentar doía muito. Eu tinha vontade de chorar cada vez que precisava ir ao banheiro fazer xixi (e como amamentar dá muita sede, eu bebia muuuita água - ou seja, isso acontecia muitas vezes por dia). Aquele metro e meio entre a cama e o vaso sanitário parecia quilômetros. O vaso parecia estar no chão e a cama no teto, tamanho o esforço que eu precisava fazer. Tudo doía. Muito.

No domingo, eu ainda precisava de muita ajuda para levantar, deitar e me mexer. Mas eu já conseguia me ajeitar sozinha na cama, apesar da dor. À tarde, quando chegamos em casa, sua avó e sua tia precisaram me dar banho e me vestir. Eu só conseguia me lavar ou me enxugar da cintura para cima. Nos dias seguintes, seu pai precisava lavar e enxugar meus pés. Se eu quisesse vestir calça ou bermuda, ele também precisava me ajudar. As idas ao banco de leite eram uma tortura, porque qualquer pequeno desnível na rua parecia uma cratera. Qualquer balançada doía. Além disso, a sensação era que a minha barriga era uma gelatina, como se meus órgãos estivessem soltos ali dentro. Eles pareciam cair quando eu me levantava ou se deslocavam de um lado para outro quando eu me mexia. Isso não doía, mas era muito estranho. Bendita cinta pós-parto! Sei que muitas mulheres detestaram usar cinta, mas ela me deu um conforto fora do comum. Essa sensação de ter os órgãos se mexendo desaparecia, eu ficava com uma postura melhor e até era mais fácil me locomover. Eu até dormia de cinta!

Na quarta-feira, dia 3 de junho, eu já não precisava mais de ajuda para tomar banho ou sair da cama. Precisava fazer um certo contorcionismo, mas dava para me virar sozinha. Só que os pontos ardiam! Esse dia tivemos que fazer uma certa peregrinação pela cidade para conseguir vacinar você (a vacina estava em falta) e ter ficado quase o dia todo fora de casa fez uma jarra de água pesar uma tonelada. Eu me sentia fraca, exausta, mas com muito menos dor.  Mesmo assim, só de pensar que teríamos que sair de novo à noite, para o aniversário da sua tia, foi o suficiente para ter uma crise de choro. Vale lembrar que o dia anterior tinha sido o da "noite do terror" e das duas idas ao banco de leite - ainda não tínhamos nos recuperado direito das quase 24 horas sem dormir. Achei de verdade que não ia conseguir! Seu pai, fofo, conseguiu me acalmar, me abraçou forte e me fez cafuné até eu dormir no sofá (você estava dormindo nessa hora). E arrumou tudo que precisávamos para sair, só para que eu descansasse até o último minuto. #gratidãoeterna 

Aliás, deixa eu fazer um parênteses para explicar a importância do seu pai nesse período, filho. Se um dia você decidir se casar e ter filhos, você precisa entender o quanto você pode ser importante para a saúde física e mental da sua mulher e, consequentemente, do seu(sua) filho(a). Junte tudo o que eu já contei nesta carta com toda a confusão da nossa luta com a amamentação. Pense em uma mãe exausta, estressada, nervosa, sem dormir ou comer direito, preocupada se a cria iria sobreviver sozinha no quaro ao lado, se estaria passando fome ou frio. Consegue visualizar o nível de loucura e irracionalidade que a mulher pode chegar nesse período? Seu pai foi minha âncora, filho, meu porto seguro. Quando ele me abraçava, parecia que tudo melhorava e eu tinha certeza, ainda que por alguns segundos, que tudo iria acabar bem. Ele teve muita paciência comigo e isso foi fundamental para que você conseguisse mamar só no peito - essa primeira semana é crucial, eu acho. Até água e comida na boca ele me dava. E mamãe estava tão doida que chegou a ter uma crise brava de choro só para dizer que não queria assistir a um seriado enquanto você dormia - isso uns 10 dias depois de você nascer, quando as coisas já tinham melhorado bastante. Ele ficou 100% responsável pela casa, pelas roupas e louças para lavar, pelas compras de supermercado e de farmácia, a comida, o lixo... Tudo! E assim eu pude me concentrar só em você. O apoio do seu pai foi fundamental e é algo que jamais vou me esquecer. Recentemente, filho, nosso Senado começou uma consulta popular para ampliar a licença paternidade para um mês e eu vi mulheres dizendo "mas o que um homem vai ficar fazendo um mês em casa??". Minha primeira reação foi de revolta. Depois, de pena. Se ela não sabe, é sinal de que teve um pós-parto muito solitário, difícil e, provavelmente, infeliz. Ou teve apoio da mãe, sogra ou outras mulheres, o que não deixa de ser triste porque significa que o pai da criança não participou do processo. Se os homens soubessem o quanto isso pode ser especial e aproximá-los de suas mulheres...

Voltando àquela primeira semana, na quinta e sexta-feira do feriado de Corpus Christi, eu já conseguia fazer todos os movimentos exceto me abaixar para pegar algo no chão. Levantar da cama ficou fácil e até tomar banho sozinha eu tirava de letra. Mas eu fiquei muito, muito, muito inchada! Mesmo! Como não havia ficado a gravidez inteira. Os pés e pernas chegavam a doer e até formigavam. Ainda bem que eu havia lido que isso era normal porque era assustador. E de vez em quando os pontos da cesária ardiam, especificamente mais do lado direito. Às vezes eu ficava cismada e me perguntava se estava tudo bem, mas tudo fazia parte da recuperação. No sábado, consegui fechar a cinta sozinha pela primeira vez após o banho (que vitória!) e, no domingo, consegui dormir 15 minutos de lado, com a ajuda da cinta e algumas almofadas para apoiar a barriga como se eu ainda estivesse grávida. Mesmo assim foi ótimo porque eu não aguentava mais dormir de barriga para cima como uma estátua.

Mas o fim de semana foi marcado por uma ansiedade absurda, já que na segunda-feira seu pai voltaria ao trabalho. O que eu iria fazer sem ele? Era tudo o que me perguntava. Por isso, volto a dizer, filho, licença paternidade de cinco dias é ridículo, piada, do tempo em que tudo o que o pai fazia era registrar a criança. Eu e seu pai já tínhamos criado um ritmo, uma rotina entre a gente. Estava tudo tão harmonioso, correndo tão bem, que parecia um pesadelo ter que ficar sem ele o dia inteiro. Criei uma tabela (no computador e tudo) com avós e amigas para que eu não ficasse sozinha com você, não me sentia segura para isso. Não era a mesma coisa do que ficar com o seu pai, mas eu agradeço profundamente a presença dessas pessoas na minha vida. Sozinha, definitivamente, eu não daria conta. 

Mas as coisas foram ficando mais fáceis a cada dia. Na terça-feira, eu já conseguia me abaixar. Na quinta, era possível dormir um tempão de lado (apesar do seio doer por causa do peso de um sobre o outro, enormes como eles estavam cheios de leite). Na sexta, consegui lavar alguma louça, mas ainda parecia levantamento de peso. Cada copo parecia um daqueles pesinhos de 1 quilo e eu fiquei completamente exausta depois! Nessa mesma semana, tirei os pontos e fiquei mais tranquila ao saber que estava tudo bem. Até dirigir o médico deixou - e eu fiz isso no domingo, para o seu pai beber uma cervejinha no dia do aniversário dele. Mas foi desconfortável, a cicatriz incomodava com os movimentos ao volante, então quase não repeti essa experiência no primeiro mês.

Ai, filho, não foi fácil. Mas a cada dia fica um pouquinho melhor, sempre um pouco a mais do que o dia anterior. Sei que nem todas as mulheres passam por isso, mas eu sentia muita dor e era muito ruim estar tão limitada nos movimentos tendo um bebê recém-nascido em casa para cuidar. Eu parecia de TPM, uma versão piorada e muito mais intensa. Tudo dava vontade de chorar, qualquer probleminha parecia uma desastre desesperador e eu variava entre "alguém fique com o bebê pelo amor de Deus porque eu preciso dormir AGORA" e "que péssima mãe eu sou porque estou aqui deitada enquanto outra pessoa cuida do meu filho". Só rindo! Eu sabia que não fazia sentido, mas sentia tudo mesmo assim! E olha que nos seus primeiros 15 dias a gente teve aniversário de duas tias, um tio e do seu pai. Ou seja, no meio de toda essa revolução, ainda era preciso participar de eventos sociais e familiares com você! Tenso!

Depois dos 40 dias pedidos pelo médico, eu me senti realmente recuperada, emocionalmente e fisicamente. Mas algumas marcas ficaram - e eu não me refiro à cicatriz da cirurgia. Parece que algum parafuso ficou frouxo de vez. Eu continuo muito mais chorona do que antes de engravidar. Virei aquela pessoa que chora em comercial de margaria (virei seu pai, hahaha). Fisicamente, ainda me sinto mais fraca, até porque não voltei à atividade física regular. Quando vou caminhar na praia faço metade do tempo que fazia, percorrendo uma distância muito menor e ficando cansada em dobro! Tudo bem, devagar eu chego lá, rs. A cicatriz ainda dói de vez em quando, mas o médico falou que é normal e que pode continuar até você completar um ano! Mas definitivamente não é aquela dor da primeira semana, é bem leve. E eu continuo calorenta como na gravidez!

Resumo da história: a sua primeira semana com a gente foi horrível, filho. Não deu nem para curtir direito sua chegada. O primeiro mês foi uma meleca. Essa é a verdade. Eu estava feliz por você estar com a gente, não me arrependi nem por um minuto, mas foi tudo muito, muito difícil. Foi ruim mesmo (#prontofalei). Mas passou. E fica mais fácil e mais gostoso a cada semana. E, apesar de tudo, não tenho a menor dúvida: valeu a pena! Cada dorzinha, cada lágrima, cada dificuldade. Valeu a pena mesmo! Pode acreditar, meu filho! Você vale muito a pena!

Vitória, 4 de outubro de 2015 - 4 meses e 11 dias


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