É, filho, aconteceu.
Esse dia chegou. Minha licença-maternidade chegou ao fim e eu não
voltei para a redação. Poucas vezes na vida tive tanta certeza de
uma decisão. E, mesmo assim, foi uma das coisas mais difíceis que
eu já fiz.
Eu já escrevi uma carta
antes para você falando dessa decisão (aliás, onde será que ela
está?), mas foi estranho, filho. Por muitos meses foi algo que
somente eu, você, seu pai e minha psicóloga sabíamos. Se por um
lado eu já tinha tomado essa decisão antes mesmo de você nascer,
por outro era como se eu ainda tivesse muita dúvida. Era como se eu
não quisesse (não devesse) falar em voz alta. Foram meses para eu
ter coragem de contar para a sua avó que eu estava pensando no
assunto. Mais algumas semanas para comentar com suas tias. E quase
nenhum amigo sabia dos meus planos. Eu já tinha de certa forma
decidido, mas.... não sei explicar, filho. Tinha medo de estar muito
influenciada pelos hormônios da gravidez, tinha medo do contexto
mudar e de alguma forma isso se mostrar uma decisão ruim. Tinha medo
dos primeiros meses com você em casa serem tão difíceis que eu
iria preferir a redação. E, principalmente, queria ter a chance de
voltar a trás, de mudar de ideia.
Não mudei. A cada dia eu
tinha mais certeza de que era a melhor opção. Mas continuava com
medo de falar isso em voz alta. Cada vez que contava para alguém (e
na maioria das vezes era um “estou pensando” e não um “decidi”)
eu sentia um frio na espinha, uma revolução na barriga. Há um mês,
comuniquei oficialmente minha decisão à empresa. Há três dias,
escrevi o pedido o oficial de desligamento no RH. E para não dar
margem a mais nenhuma dúvida, no mesmo dia anunciei aos quatro
ventos pelas redes sociais. Passei o dia nervosa, ansiosa, com um
frio na barriga. Planejei fazer uma big despedida de todos na
redação, mas sua dorzinha mal me deixou resolver a burocracia.
Voltei para a casa no mesmo estado de nervos. Mas feliz e aliviada.
Aliviada e convicta da minha decisão. Parece contraditório, né,
filho? Mas era assim mesmo que eu me sentia: feliz e nervosa.
Feliz porque eu havia
tido coragem para mudar um aspecto da minha vida que já não me
fazia tão bem. Feliz por eu e seu pai termos conseguido fazer um
pezinho de meia que nos permite tomar essa decisão. Feliz porque não
vou precisar colocar você em uma creche com três meses e meio de
vida. Vou ter o privilégio de ver seu desenvolvimento de pertinho
nos próximos meses e me dedicar à sua amamentação exclusiva.
Feliz por ter vencido meus próprios preconceitos e estereótipos
sociais do que é ser uma mulher moderna e ter vencido o “jamais
vou ser sustentada por homem nenhum”.
Mas também estou
nervosa. Como coloquei no Facebook, é aquele frio na barriga de quem
se joga no escuro, sai da zona de conforto, se arrisca diante do
novo. Filho, aos 12 anos eu e sua tia já fazíamos alguns bicos em
busca de uns trocados. Montávamos uma barraquinha na calçada,
vendíamos revistinhas velhas e pequenas quinquilharias para poder
comprar um doce ou um refrigerante. Aos 14, datilografávamos
trabalhos para fora e éramos responsáveis até por datilografar os boletos de cobrança de um condomínio (sim, sou velha o suficiente para dizer que
usávamos mais a máquina de escrever do que o novíssimo computador
386). Quando queria dinheirinho extra, lavava o carro do seu avô.
Aos 15, já era monitora do método Kumon, meu primeiro emprego
oficial. Aos 18, no primeiro ano da faculdade, passei no concurso
para ser recenseadora do IBGE. No ano seguinte, já fazia estágio. E
dois meses depois da formatura já trabalhava em uma redação. O único
período da minha vida em que não trabalhei regularmente foi quando
estávamos (eu e seu pai) na Itália. E, honestamente, filho,eu ODIEI
a minha vida de dona de casa em tempo integral. Então, pensar que de
alguma forma minha vida poderia se assemelhar àquele período tão
difícil é, sim, muito assustador. Mas eu sei que agora é diferente.
Agora eu tenho minha família, meus amigos e minha religião por
perto. E, sobretudo, eu tenho você, meu filho. Não vai ser uma
vida sem propósito, vai ser uma vida com o maior propósito que
alguém pode ter: se doar para alguém, criar e cuidar de um outro
ser humano.
Vendo o seu rostinho
risonho ao acordar de manhã, suas dores e suas dificuldades dos
últimos dias, vendo como você dá um passo a mais no seu
desenvolvimento a cada momento, eu agradeci muito a Deus por ter o
privilégio da escolha. Sim, filho, porque eu tive dúvidas, mas
muitas mães por aí têm certeza mas não têm a possibilidade de não trabalhar. Foi uma semana muito emocional para mim. Eu me
peguei emocionada algumas vezes vendo você mamar ou dormir no meu
colo. Agradeci por termos feito o investimento de passar tanto tempo
longe da família e dos amigos pelo doutorado do seu pai. Vi como
valeu a pena cada macarrão com atum que comemos no final do mês por
falta de grana para algo melhor. Agradeci o seu pai por ter topado
segurar o peso da responsabilidade de sustentar a casa sozinho.
Eu não sei como vão ser
os próximos meses, filho. E, claro, tenho medo desse desconhecido.
Tenho medo de pirar sozinha em casa, tenho medo da solidão e da
responsabilidade que a maternidade exige algumas vezes. Tenho medo de
não ter uma vida própria. Tenho medo de não ter uma carreira.
Tenho medo da situação econômica atual e da nossa poupança não
ser suficiente. Tenho medo da crise no governo afetar o salário do
seu pai. Mas vi que o maior medo era o de não amamentar você, de
perder esse período tão precioso e rápido da sua vida.
Eu não nasci para ser mãe em tempo integral, filho. E não é por achar esse um papel menor ou trabalho sem importância – bem ao contrário! Eu simplesmente percebo que preciso ter uma profissão além de mãe para manter minha sanidade mental. Mas não agora. Não neste exato momento. E não no jornalismo, por enquanto. E se os medos são muitos, a felicidade e a gratidão por ter tomado essa decisão são infinitamente maiores.
E eu agradeço também a você, meu filho. Por ter sido o grande motivador dessa minha pequena revolução. Agora, mamãe precisa dormir. Amanhã é segunda-feira e nós dois, apenas nós dois, teremos um dia cheio pela frente. Juntinhos! :)
Eu não nasci para ser mãe em tempo integral, filho. E não é por achar esse um papel menor ou trabalho sem importância – bem ao contrário! Eu simplesmente percebo que preciso ter uma profissão além de mãe para manter minha sanidade mental. Mas não agora. Não neste exato momento. E não no jornalismo, por enquanto. E se os medos são muitos, a felicidade e a gratidão por ter tomado essa decisão são infinitamente maiores.
E eu agradeço também a você, meu filho. Por ter sido o grande motivador dessa minha pequena revolução. Agora, mamãe precisa dormir. Amanhã é segunda-feira e nós dois, apenas nós dois, teremos um dia cheio pela frente. Juntinhos! :)
Vitória, 20 de setembro
de 2015 - 3 meses e 22 dias.
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