domingo, 9 de agosto de 2015

Seu pai não ajuda

Postado por Mãe do André às 07:00
Obs aos leitores: Desde que comecei a escrever essa carta, vi vários textos muito parecidos na internet, sobre o mesmo tema. Juro que não estava tentando imitar ninguém, rs. O assunto pode não ser original, mas a experiência de cada um é sempre única. Por isso, decidi publicar minha versão mesmo assim. :)

Filho, essa é uma carta feita a prestação. Tentei gravar alguns áudios ainda na gravidez para não perder a ideia. Quando você tinha menos de um mês de vida, fiz uma nova tentativa inacabada. E tento fazer a versão final agora, quando você já completou dois meses. Espero que esse “recorta e cola” faça algum sentido. Essa carta é para falar sobre uma irritação minha e sobre como a sociedade em que você nasceu pode ser estranha e contraditória. A contradição existe em muitos aspectos, mas eu quero falar especificamente do modo como ela trata seu pai (os homens) quando o assunto é família – ou seja, como vai tratar você. Quando as pessoas viam seu pai participativo na gravidez (cuidando de mim e de você, participando de exames, lendo blogs e livros sobre maternidade e parto) e quando veem ele trocando fralda ou ninando você, elas sempre fazem um comentário que me irrita muito:

"Ah, Renata, você tem sorte porque o Vítor ajuda você, né?”

Bem, filho, essa frase me irrita porque temos nela dois grandes erros. Não, eu não tenho sorte. E não, seu pai não me ajuda. Tenho certeza absoluta que o seu pai não é o tipo que ajuda.

É isso mesmo, filho. O seu pai não me ajuda a cuidar de você. Ele cria você junto comigo. É bem diferente. Quando as pessoas dizem “seu marido ajuda”, elas estão partindo do princípio de que a tarefa é minha e que seu pai está fazendo um superfavor, sendo "bonzinho" pois está “gastando” o tempo dele para “me dar uma mão” em uma tarefa que é obrigação minha. Não é assim que a coisa funciona comigo e com seu pai. Não foi assim com a festa de casamento, não foi assim com as decisões sobre onde morar, nunca foi assim com a organização da casa e não vai ser assim com você.

Estamos em um mundo moderno, filho, mas as pessoas ainda são muito machistas (e isso não é exclusividade do Brasil). E é engraçado como essas coisas estão enraizadas e se mostram em detalhes sutis. Por exemplo, muita, muita, muita gente mesmo me pergunta:

Será que o Vítor vai saber trocar fralda?
Ah, mas será que o Vítor vai ter coragem de pegar 
um bebê tão pequenininho no colo?

Qual a diferença entre seu pai e eu? Por que ninguém me pergunta essas coisas? Ninguém me pergunta se eu sei trocar fralda. Quando eu estava grávida ninguém nunca me perguntou se eu tinha medo de não saber segurar o bebê. Todo mundo parte do princípio que, por eu ser mulher, essas coisas são naturais em mim. Eu também não nasci sabendo trocar fralda. Aprendi tanto quanto seu pai (aliás, por causa da cesária, seu pai trocou bem mais fralda do que eu nas primeiras semanas e ele me deu várias dicas para evitar os vazamentos que sempre aconteciam nas fraldas que EU trocava, rs). A primeira vez que vi você tão pequenininho nos meus braços, eu também tive medo. Quando você completou um mês eu só tinha dado banho em você duas vezes, tamanho o meu medo e insegurança. Claro que instinto maternal existe e não pode ser negado. Mas nenhuma dessas tarefas depende de habilidades definidas pelo DNA!!! Tudo é uma questão de prática, de aprendizado. Mas essas perguntas voltadas exclusivamente aos pais parecem ser naturais. É como se, para o homem, fosse uma opção. Se ele quiser, ele troca fralda. Se ele souber, ele dá um banho, etc, etc. As pessoas até perguntam:

Será que o Vítor vai acordar de madrugada?

COMO ASSIM SERÁ?? Ninguém gosta de acordar de madrugada com um bebê chorando. Ninguém gosta de ver um bebê chorando. Mas faz parte da obrigação. E aí é que está a diferença. Entender que faz parte da obrigação dos dois. 

Era assim também com a casa, filho. Seu pai nunca partiu do princípio de que a casa era uma tarefa minha e que ele ajudaria quando pudesse ou se quisesse. Não! Nós dois trabalhamos fora e nós dois temos uma casa NOSSA. E se é nossa, é obrigação dos dois cuidar dela. E nós dois resolvermos ter um filho. Um filho cuja a obrigação de cuidar e educar é dos dois. Então, seu pai não ajuda. Seu pai cria você comigo.

Mas o que eu acho engraçado (para não usar uma palavra pior) é que as pessoas que mais falam essas frases são justamente as que ficam mais revoltadas quando veem alguns atos de machismo. É curioso isso. Na maioria dos casos, elas são ditas por mulheres e não por homens. São as mulheres que me perguntam se o seu pai vai saber ou ter coragem de trocar uma fralda. São as mulheres que me dizem o quanto eu tenho sorte por eu ter ajuda. E muitas vezes essas mesmas mulheres dizem:

"Coitado do seu marido que vai ter que acordar
de 
madrugada e depois trabalhar no dia seguinte”.

Hein?? Por que ninguém diz coitada de mim?? Eu que vou ter que dar de mamar trocentas vezes por dia e, nesses períodos, o Vítor vai estar tranquilo, relaxando. Quando eu voltar a trabalhar vou continuar amamentando e acordando à noite. Enfim, é mais uma coisa para se pensar e refletir. É curioso como as mulheres que mais reclamam do machismo são as que mais falam esse tipo de coisa...

O segundo erro da frase que me irrita é o justamente esse “sorte”, eu ter “sorte” por ter um marido que “ajuda”. Não, filho, não é sorte. É escolha, combinado, acordo, mas não é sorte. É escolha porque eu escolhi o Vítor para ser meu companheiro de vida exatamente porque ele é companheiro. E ele é companheiro faça sol ou faça chuva, não apenas naquilo que é agradável, que ele gosta de fazer ou só quando lhe convém. Ele é Companheiro, assim, com C maiúsculo, na melhor e maior definição dessa palavra. E foi só por isso que eu escolhi me casar com ele. E foi por isso também que eu escolhi ter um filho com ele.

Não foi sorte, foi combinado. Se não fosse para ser assim, filho, eu não teria tido um filho com seu pai – pelo menos não teria engravidado e não estaria lidando com um recém-nascido nesse momento. Talvez eu teria adotado uma criança maior, que não passasse por essa fase de fraldas, mamadas, cólicas e acordadas noturnas (não que crianças mais velhas não deem trabalho, mas talvez fosse um tipo de trabalho que eu teria mais disposição de encarar sozinha). O fato é que se seu pai fosse do tipo que ajuda eu provavelmente não estaria aqui gravando esse áudio com você “de sapinho” em meus braços, sendo sacudido de um lado para o outro na tentativa de aliviar suas dores. Sabe por que, filho? Porque eu não daria conta!!! 

Eu sei que existem mulheres que lidam com crianças com a maior facilidade. A minha mãe criou três sozinha, já que seu avô não ajudava em nada. Os homens da geração anterior não ajudavam (e quando faziam alguma coisa era isso: ajuda). Conheço mulheres que cuidam de três, quatro, e ainda cuidam da casa e fazem comida. E se bobear, ainda estão resolvendo alguma coisa por telefone ao mesmo tempo. E sei que existem mulheres que precisam fazer tudo isso sozinha porque o pai não está por perto. Elas têm toda a minha admiração e o meu respeito mais profundo. Mas eu não sou dessas. Eu não daria conta disso sozinha. Eu não daria conta de dar todo o apoio que você precisa, filho, sem o apoio do seu pai. Sem dividir essa tarefa com ele. Eu não daria conta nem fisicamente nem emocionalmente.

E isso também foi um combinado, filho. Se seu pai fosse como os pais da geração do seu avô, se ele não estivesse disposto a criar você comigo, eu simplesmente não teria tido filho. Juro! Eu iria canalizar esse amor para outras crianças, se fosse preciso, mas não teria uma em casa. Como eu disse, nunca fui daquelas que sonham em casar e ter filhos. E mais, não acho que toda mulher tem que ser mãe e nem todo homem precisa ser pai. Isso é (ou pelo menos deveria ser) uma escolha consciente do casal. Então, filho, não foi sorte, foi escolha. Escolha!

Sabe, eu vejo mulheres que namoravam homens machistas, folgados ou que são verdadeiros brutamontes. Mas elas decidem casar com eles mesmo assim e, depois, ficam revoltadas e até espantadas porque eles não têm a sensibilidade de ajudá-las com os filhos! Pior: algumas casam e tratam os maridos como filhos, não deixam eles lavarem um copo ou ficam com pena(!!!) quando eles pegam numa vassoura. Mas depois ficam muito bravas porque eles não ajudam com a casa ou porque não sabem "fazer nada direito". Do mesmo jeito que não é sorte minha, não é azar delas. É escolha, é consequência. Já fiquei sabendo até do absurdo de mulheres que param de tomar pílula escondido do marido ou forçam uma barra para terem logo um bebê antes de conversar com o companheiro se ele quer ou se ele está preparado para lidar com um filho naquele momento. Vejo casais que engravidam sem nunca terem conversado sobre como pensam em lidar com aquela criança, o que cada um espera do outro como pai ou como mãe. E depois elas ficam magoadas porque “ele não ajuda”. Gente, na era dos anticoncepcionais supereficazes, engravidar sem planejar, discutir e combinar? Só porque é a “consequência natural” da vida ou do relacionamento? Não, obrigada.

Tá, talvez eu precise admitir que tive um pouco de sorte de conhecer uma pessoa como o seu pai ao longo da minha vida. Nem todos os homens são assim e algumas mulheres juram que nunca esbarraram em um tipo desse. Mas, graças a Deus, nessa geração, homens que não ajudam podem até não ser a maioria ainda, mas não são mais exceção. E seu pai não é santo. Ele tem essa grande qualidade e tem outros grandes defeitos – tudo depende do que nós mulheres vamos exigir como qualidades fundamentais em um companheiro e o que vamos aceitar como defeitos possíveis de “aturar”, rs. Ser companheiro, para mim, sempre foi qualidade fundamental sem a qual não daria para levar um relacionamento adiante. Sem isso, eu preferia ficar sozinha. Se é para criar um filho sozinha, para que o marido? Parte logo para a produção independente! rs.

Então não é sorte, filho. Eu escolhi seu pai para ser meu companheiro porque ele é assim. Nós decidimos JUNTOS ter um bebê e passar por uma gravidez neste momento das nossas vidas porque COMBINAMOS que seria assim. Conversamos muito antes de engravidar, escolhemos um momento bom para os dois e continuamos a conversar sobre tarefas e expectativas durante toda a gestação. Eu não estou “abusando” do seu pai, jogando para ele uma tarefa que é minha. E é por isso que eu não gosto muito dessa frase. 

E é por isso também que eu tenho muito orgulho do seu pai. Porque numa época em que muito se faz o discurso da igualdade, as pessoas ainda acham incrível um pai ser pai. E essa é a diferença, filho. Seu pai sempre QUIS ser pai. Não um doador de esperma. Então ele vai acordar toda vez que você chorar a noite, exceto quando a gente combinar que aquela é a minha vez de levantar. Ele vai dar banho em você, vai segurar sua mão quando você tiver dorzinha, vai ensinar a andar de bicicleta, vai trocar sua fralda. E tudo isso eu também vou fazer. Vamos fazer juntos. Porque essa é a minha concepção de família. E é essa a concepção de família do seu pai. E exatamente por nós termos a mesma definição de família, de companheirismo e de obrigações dentro de uma casa é que decidimos dividir as nossas vidas e dividir a sua criação. E eu pretendo criar você para ser um homem que não ajuda e fico feliz por saber que se você seguir o exemplo do seu pai, vai ser um homem e um pai maravilhoso. Por isso, meu filho, pode ficar tranquilo, feliz e orgulhoso, pois o seu pai não vai ajudar. Ele vai criar você comigo.


26 de maio (40 semanas), 17 e 25 junho (cerca de 20/25 dias) e 6 e 7 de agosto (2 meses e 1 semana) de 2015

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2 comentários no blog:

Unknown disse...

Olá, Renata. Como disse, sempre leio, mas nunca tinha deixado comentários. Resolvi comentar dessa vez porque me identifico muito com o que você escreveu, me considero também um dos pais que não ajuda e me revolta quando passo por um desses "elogios" de quem não entende *nada*...

Enfim, feliz dia dos pais para vocês dois! :) Continue escrevendo, é sempre muito legal!

Abraços!
Felipe.

Mãe do André disse...

Adorei receber seu comentário, Felipe!!! Obrigada pela leitura e pelo carinho (e desculpa a demora para responder!!!!). Fico muito feliz em ver que existem tantos pais que não ajudam por aí e que percebem que nada disso é realmente um elogio. Seu filho merece!
Parabéns e feliz dia dos pais atrasado!

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