domingo, 23 de agosto de 2015

O seu parto

Postado por Mãe do André às 06:30
Você chegou, filho! Finalmente está nos meus braços e eu quero registrar esse momento enquanto os detalhes ainda estão frescos na minha cabeça. Não, não foi como eu imaginei. Foi a maternidade mais uma vez me ensinando que não terei mais controle sobre a vida. Eu, que sempre defendi com unhas e dentes um parto normal e, de preferência, natural, que me preparei e investi nisso, não só terminei em uma cesária, como acabei fazendo uma cesária eletiva, marcada por conta da agenda do médico. Mesmo assim, tenho certeza que foi o melhor para nós dois dentro das condições que a gente tinha. E eu explico o porquê.



Nossa última consulta com o obstetra aconteceu no dia 28 de maio, quinta-feira, quando você estava com 40 semanas e quatro dias. Naquela semana, minha paciência com o barrigão havia chegado ao fim. Eu estava muito inchada, tudo doía, nenhuma posição era confortável e senti algumas sensações estranhas que poderiam indicar que nosso tempo em um mesmo corpo estava chegando ao fim: as contrações de treinamento se tornaram mais longas e comecei a sentir algumas cólicas, mas nada que soasse o alarme. Na consulta, vimos que finalmente tive alguma dilatação (2 centímetros) e que o colo do útero começava a apagar. Bons indícios, os primeiros de toda a gestação, mas absolutamente nada que indicasse sua vinda próxima. Você continuava sentado, o que sentenciou de vez a necessidade de cesária (a menos que acontecesse um parto pélvico a jato, daqueles que a mãe já chega no hospital parindo). Mesmo assim, o médico disse que poderíamos esperar até o limite, dia 7 de junho, quando você completava 42 semanas. Mas... eis que veio a bomba.

Sem graça e pedindo desculpas a cada 2 segundos, o médico disse que havia se esquecido de me dizer uma coisa muito importante. Ele tinha um congresso justamente nessa sua última semana possível de gestação. Ele viajaria no sábado, dia 30 de maio, e só voltaria no domingo, dia 7, seu prazo limite. Até aí a notícia era ruim, mas não era uma tragédia. Eu sabia que ele tinha uma equipe “reserva”, uma obstetra dentro da mesma linha de trabalho dele que o substituía nesses casos e de quem eu já tinha ótimas referências. O problema era que essa médica também iria para o tal congresso, mas viajaria apenas entre domingo a noite (dia 31) e sexta-feira (dia 5). Para esses dias, havia uma terceira opção de médico, mas que eu não fazia ideia de quem era e que não trabalhava no hospital onde havíamos planejado ter você (seria preciso ir para a cidade vizinha). 

Para agravar a situação, a pediatra que costuma trabalhar com os dois obstetras, que tem uma visão mais humanizada desse primeiro atendimento ao bebê, também viajaria para o congresso e provavelmente teríamos que fazer seu parto com um pediatra do plantão. Com essas informações, eu e seu pai tínhamos menos de 8 horas para tomar uma decisão: poderíamos marcar a cesária para o dia seguinte (de manhã ou de noite) ou esperar para ver se você e meu corpo dariam algum sinal de trabalho de parto naquela semana, independentemente da equipe que nos atenderia. Uma outra opção seria usar um remédio em casa para tentar induzir o parto, pelo menos para dar um aviso a você e ao meu corpo de que a hora havia chegado – e, assim, a cesariana aconteceria a qualquer momento a partir da quinta-feira à noite.

Filho, meu mundo desabou! Como tomar uma decisão dessas? Eu não tinha dúvidas de que queria esperar até o último minuto para que você me sinalizasse que estava pronto para nascer. Não queria simplesmente arrancar você de dentro de mim. Mas quem me garantia que isso iria acontecer? Algumas mulheres chegam a 42 semanas sem qualquer sinal de trabalho de parto! Por outro lado, o que adiantaria esperar seus sinais e arriscar pegar um pediatra inexperiente ou, pior, uma equipe que não nos tratasse com respeito, que nos separasse imediatamente e/ou que não permitisse que eu tivesse você em meus braços?

Outras coisas também pesaram na nossa decisão. Na semana seguinte, havia um feriado prolongado, o de Corpus Christi, que começava na quinta-feira. A estatística mostra como os bebês “entram em sofrimento” sempre às vésperas de feriado. Esperar poderia significar apenas adiar uma cirurgia eletiva, já que sempre havia o risco de forçarem uma barra. E que tipo de equipe estaria de plantão no feriado? Se todos os médicos referência em parto normal estavam nesse tal congresso, poderia assumir que era um evento importante e que a maioria dos bons médicos estariam presentes. Eu corria o risco de ter um parto com um residente ou médico inexperiente? Outro ponto: eu nunca me entreguei ao terrorismo de esperar você até a 42ª semana, mas sempre soube que esses últimos dias exigem cuidados e acompanhamento especial, de perto – há, sim, riscos envolvidos. Quem iria fazer esse acompanhamento nessa semana de congresso e feriados? Quão seguro seria fazer isso com alguém que não me acompanhou ao longo da gravidez e que não conhece meu histórico? Por fim, não importava o quanto eu esperasse, o resultado seria mesmo uma cesária. Esperar para ter um parto normal era uma coisa, mas se seria feita uma cirurgia de qualquer forma, valia a pena mesmo esperar?

Nossa, filho, foi muito difícil. Parecia que minha cabeça iria explodir com tantas perguntas. Nenhuma opção parecia boa. Mas eu engoli o meu orgulho e meus planos ideais e encarei a realidade: esperar envolvia muito mais riscos – tantos de saúde quanto de mais decepções. Resolvemos fazer a cesária no dia seguinte à noite, dando a você o máximo de prazo que poderíamos. O médico nos incentivou a usar o remédio para induzir o parto. Ele acreditava que, mesmo indo para a cirurgia, se eu entrasse em trabalho de parto seria muito positivo para mim e para você, para a nossa recuperação. Decidimos iniciar o remédio na manhã seguinte. Se o trabalho de parto engrenasse, você poderia nascer antes, a qualquer momento daquele dia. 

Aproveitei uma das poucas vantagens de saber quando você nasceria: terminar de organizar a vida. Fui à psicóloga de manhã cedo, conferi as malas da maternidade, programei postagens no seu blog, respondi e-mails. Conversei muito com você. Comecei a sentir cólicas e percebi as contrações de treinamento mais frequentes, mas nada de trabalho de parto. A tarde, novo remédio. As mesmas cólicas, as mesmas contrações de treinamento prolongadas. Nenhuma dor, nenhum sinal significativo. Mas, de alguma forma, eu sentia que você tinha entendido o recado, que a hora estava chegando. O meu corpo dava sinais de trabalho de parto, mas tudo ainda na fase latente – que eu sabia que poderia durar dias, dias que a gente não tinha.

Às 17h30, entramos em contato com o médico mais uma vez explicando a situação. Não tinha jeito, era hora de ir para a maternidade. Seu pai, filho, entrou em parafuso. Começou a correr de um lado para o outro para colocar as coisas no carro, em poucos minutos estava até suado, rs. E não adiantou eu dizer que não precisava pressa ou pedir para ele respirar fundo. Foi tão bonitinho! Imagina se eu estivesse em trabalho de parto! Eu decidi que o fato das coisas não saírem como o planejado não iria ofuscar esse dia. Você estava chegando, esse era uma momento de felicidade e era nisso que eu iria me focar. O “como” era detalhe. O importante era me concentrar em você naquela hora. Antes de entrar no carro, já com tudo no porta-malas, eu e seu pai nos beijamos e paramos um minuto para respirar. “É agora. Nosso filho vai nascer!” E partimos para o hospital, pegando algum trânsito, por causa do horário.

Ao chegar à maternidade, começou a parte mais confusa e chata, mas que, de certa forma, diz até muito bem sobre a política do hospital. Eles estão tão acostumados a fazer partos normais, filho, que eles não sabiam o que fazer com a minha cesária agendada. Ao chegar na recepção, a atendente pegou meus documentos e já pediu para eu entrar:

- “Enquanto isso eu vou adiantando a burocracia e depois seu marido volta para assinar a papelada. A senhora não precisa esperar, pode entrar”.

Gente, mas para que tanta pressa? Eu nem em trabalho de parto estou! - pensei. Mesmo assim, um funcionário nos levou até a sala de parto. “Mas vai ser cesária, não vamos utilizar esse quarto”, eu disse, com uma certa pontada no coração ao ver aquele ambiente onde idealizei ver você nascer. Filho, a expressão do funcionário foi como a tela azul em um computador defeituoso. Ele simplesmente não sabia o que fazer. Liga para um, liga para outro, decide me levar para o centro cirúrgico.

- “E as nossas coisas?”, perguntei.

- “Deixa aí, a gente tranca a porta e quando soubermos o seu quarto a gente vem pegar”, disse depois de alguns segundos de indecisão.

E fomos para o centro cirúrgico. Chegando lá, mais confusão. Cada hora uma enfermeira diferente aparecia perguntando:
- "Cadê seu prontuário?”
- "Mas subiu sem prontuário?”.
- "Mas ela não tem pulseirinha? Como faz?"

Confesso que comecei a ficar apreensiva. Parecia que eles não sabiam o que estavam fazendo. Mal cheguei e me pediram para trocar logo de roupa e perguntaram pelos exames da gravidez, que estavam na mala que ficou no carro. E vai seu pai buscar. Começam a me fazer perguntas e a preencher uma ficha. E começam a chegar mais enfermeiras perguntando se era dali que ira nascer o bebê. Cada uma mais empolgada que a outra.
- "Eu quero ver, posso ver?”
- "É ela que vai ter o bebê? Que legal!”
- "Que legal um bebezinho por aqui”.

Gente, mas não é maternidade? Que confusão é essa? Comecei até a ficar preocupada de verdade. Mas depois eu entendi melhor a situação e relaxei. Descobri que não só o hospital tem um índice baixíssimo de cesária como elas eram feitas “lá em cima”, em um local diferente de onde eu estava. Parto ali era exceção. A equipe daquele andar estava acostumada apenas com cirurgias para curar doenças e estava empolgada com a “mudança de ares”. A equipe do meu médico chegou, seu pai chegou com a mala e mudou de roupa para me acompanhar. Então, o médico veio me buscar. Fui andando até a sala de cirurgia, meio assustada, meio apreensiva. Um medo! Sabe, filho, eu nunca havia feito uma grande cirurgia. As únicas vezes que entrei na faca foi para consertar um desvio de septo e tirar um pequeno carocinho do seio, duas intervenções que poderiam ter sido feitas com anestesia local, se não fosse o pânico da sua mãe que exigiu dos médicos ser “apagada", rs. Sempre que me peguntavam se eu não tinha medo do parto normal, a resposta era automática: tinha mais medo da cesária! Só de pensar naquela agulha da anestesia entrando nas minhas costas...

Mas foi aí que ter priorizado a equipe valeu a pena. Todos foram tão atenciosos comigo! O tempo todo a equipe ia me explicando o que ia acontecer e o que eu poderia sentir. Eu estava morrendo de medo da anestesia, mas o médico ficou lá segurando a minha mão, fazendo carinho, dizendo como me posicionar e o que estava sendo feito: “agora estão só limpando o local”, “agora você vai sentir uma picadinha de agulha de insulina, não é a anestesia ainda”, “agora você vai sentir um formigamento na perna”, etc. A única “reclamação” foi eu ter ficado um tempo lá pelada, esticada, enquanto a porta da sala de cirurgia estava aberta e um monte de gente passando pelo corredor, parecia um bicho no abatedouro, rs. Mas foi só eu reclamar que a porta foi imediatamente fechada com alguns pedidos de desculpa. 

Experiente, a equipe parecia ler pensamentos. Começaram a mexer em mim e eu pensei “mas cadê o Vítor?”. E o médico na mesma hora explicou: 


- Só estou preparando você, tá? Pode deixar que não vou começar nada antes do Vítor chegar aqui. 

O anestesista também foi muito legal. Ficava antecipando sensações e explicando o que estava acontecendo por trás do pano. “Mas eu estou sentindo tudo”, disse. E ele: “é assim mesmo. Você vai sentir tudo, só não vai sentir dor”. Seu pai chegou e eu respirei aliviada. Só o fato de ele estar lá me deixou mais calma. A cirurgia começou e eu balançava como se estivesse na boleia de um caminhão em uma estrada de terra. “Balança assim por causa da manobra que eles têm que fazer para tirar o bebê, ok?”, explicaram, mais uma vez, antes que eu perguntasse qualquer coisa.

De repente eu ouço um “opa” seguido de risadas – mais tarde descubro que você, ainda com a cabeça no útero, fez xixi no médico, rs. Alguém diz: “Mas você quis nascer de bumbum para lua, André?”. Comemoração na sala. Começam a abaixar o pano que estava na minha frente, mas fazem isso pela metade e não vejo nada. Então, um bracinho se estica e vejo uma mãozinha fechada na minha frente. Meu coração acelera. O pano finalmente é baixado por completo e vejo você nas mãos do médico. Olhinhos abertos. Sem chorar. Não sei descrever o que eu senti, filho. Não há palavras para isso. “Aí mamãe. Fala com ele”, diz o médico. Eu obedeço de olhos molhados, me esquecendo de tudo o que eu havia planejado falar nesse momento:

"Ei filho. É a mamãe. Sou eu, meu amor”, só me lembro disso.

Alguns segundos depois, você chora. “É o frio”, alguém diz. Logo em seguida, você pára de chorar. Seu pai é convidado a cortar o cordão umbilical – precisou de duas tentativas, rs. Levam você. Seu pai vai junto. Pouquíssimo tempo depois você volta e, finalmente, é colocado em meus braços. Tiram alguns fios que estavam em mim. Finalmente posso segurar você, fazer carinho, falar de pertinho, segurar suas mãozinhas. Tento ver o seu corpinho, mas o pano verde foi tão bem enroladinho que não consigo desembrulhar você. A pediatra coloca você no meu seio. Que confusão. Ali deitados, sem posição, foi uma dificuldade para mim e para você. Ela pegava você de um jeito que parecia até que iria machucar, rs. Mas você sugou. E o colostro já saiu! Gotas enormes e amarelas. Ficamos ali, namorando um ao outro um tempão, até que o médico terminasse de me costurar. Então, você seguiu com seu pai e eu respirei aliviada por tudo ter dado certo e por nós termos tido nosso momento juntos.

Só quando fui para a sala de recuperação é que me dei conta do quanto a sala de cirurgia estava quentinha. Vi tantos relatos de gente tremendo de frio na hora da cesária e até me lembrei disso na hora, mas eu estava superbem. Chegaram a me oferecer um cobertor, que eu recusei – mas voltei atrás assim que cheguei à sala de recuperação. Olhei para o relógio: 20 horas. Procurei dormir um pouco, pensando que deveria aproveitar a chance, rs. Disseram que eu iria ficar ali só “meia horinha” para me recuperar da anestesia, mas o tempo foi passando e nada acontecia. Tentei mexer as minhas pernas e nada – que sensação horrível! Depois, conseguia mexer um pé, mesmo tendo tentado mexer as duas pernas. 20h40 e eu doida para pegar você de novo nos braços. Chamo uma enfermeira e descubro que eles ainda não sabem para que quarto eu vou. Gente! Quase 21 horas e me pedem para ter paciência porque precisam que um outro enfermeiro volte para me levar. Sabe, todos foram muito carinhosos comigo, me perguntavam se eu estava bem, se precisava de alguma coisa, mas eu já estava irritada com aquela demora! Finalmente, começam a empurrar a minha maca hospital afora e eu encontro você, seu pai e quase toda a minha família (seus avós, sua tia e sua priminha) ainda no corredor. Confesso que não me lembro mais no colo de quem você estava.

Aí veio uma pequena decepção. Eu não sabia que, por causa da cesariana, eu não poderia me sentar ou elevar muito a cabeceira da cama. Como pegar você, assim, na horizontal? Eventualmente, dei um jeito e, mesmo não sendo exatamente o que eu queria, foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Você havia chegado. Aquele serzinho tinha saído de dentro de mim! E naquele momento éramos só eu, você e seu pai. Sem confusão, só nós três.

As tentativas de dar mamar para você eram desengonçadas, sem jeito, não tínhamos posição. Eu ainda não conseguia me mexer direito e, quando conseguia, doía. Seu pai foi o guerreiro da madrugada que trocava fralda, colocava você no meu peito, para arrotar e consolava você quando chorava. Eu não podia fazer nada!!! Que horrível! Mas, sabe, nada disso importava naquela momento. Não sei explicar, só sei que naquela momento tudo o que importava era você. E você era tão lindo, tão pequenininho. Perguntei ao seu pai os detalhes do que aconteceu com a pediatra, seu peso e medida. E até me assustei: você nasceu com 100 gramas a menos do que me disseram ser o seu peso no ultrassom de UM MÊS antes! E pensar que tem gente que usa essa estimativa para desistir do parto normal...

Só no dia seguinte, quando finalmente pude me sentar na cama é que consegui pegar você direito nos braços. Ah... Foi surreal, filho. Eu ficava olhando para você como se quisesse memorizar cada dobrinha e pelinho do seu corpo. Você ficava muitas vezes acordadão, com os olhos bem abertos, bem esperto. E num desses momentos ficamos ali, nos namorando longamente, olho no olho. Finalmente eu conseguia aninhar você nos meus braços confortavelmente, dar aconchego, olhar você por inteiro, cheirar e abraçar você, fazer carinho. “Sou eu, filho, sua mãe. É, sou eu”, repetia. Parece que só ali seu parto tinha realmente acabado. Só ali a gente tinha realmente se conhecido. Oficialmente, a gravidez tinha chegado ao fim e nossa vida juntos estava começando.


Vitória 10 de junho a 11 de julho de 2015 – 12 a 43 dias de vida


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2 comentários no blog:

Isa• disse...

Que lindo relato Rê!
Escreve com tanto detalhe e emoção que consigo visualizar tudo.
O André pode não ter nascido como você planejou, mas nasceu com o respeito e amor que ele e vocês mereciam.
Não pude deixar de notar o tempo de escrita dessa carta hehehe as coisas mudaram por ai não é? hehehe
beijinhos queridos

Mãe do André disse...

Pois é, Isa, as coisas mudaram muito, rs. Escrever e atualizar o blog tem sido um desafio, rs.
Obrigada mais uma vez pelo carinho, todas as nossas escolhas foi pensando nesse respeito que ele merecia ter (e eu também, né?). Beijos

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