terça-feira, 19 de setembro de 2017

O primeiro "piti" em público a gente nunca esquece

Postado por Mãe do André às 10:28
Então, esse dia chegou. O dia tão temido e tão evitado por toda mãe, especialmente as de primeira viagem. O dia em que você se jogou no chão do shopping, gritou, chorou, fez escândalo e transformou nós dois na atração do lugar!

(pausa para respirar fundo!)
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A verdade é que eu já esperava por esse dia, filho. Qualquer mãe minimamente informada sobre maternidade e sobre o desenvolvimento emocional-cognitivo-psicológico de uma criança sabe que este é um momento inevitável. Vai acontecer. Talvez não na mesma intensidade, nem na mesma frequência para todo mundo, mas vai acontecer. E mesmo com tudo o que eu havia lido a respeito, não foi fácil. Fiquei até orgulhosa de mim e de como lidei com a situação. Mas não foi fácil! Nada fácil!!

Foi há umas 2 semanas. Eu precisava comprar dois presentes para um aniversário e você precisava sair de casa. Com a chuva abençoada que caía (estamos em racionamento de água, filho), o parquinho não era uma opção. Achei a ideia do shopping brilhante. Vou com calma, sem pressa, gasto toda a tarde lá se for preciso, assim você corre o quanto quiser e eu consigo fazer o que eu preciso. Santa inocência!

Expliquei como ia ser a tarde, que iríamos a um lugar diferente, que mamãe ia precisar da sua ajuda para fazer umas coisas, mas que a gente também ia se divertir e brincar muito em um parquinho diferente (estava disposta a pagar aqueles lugares caros de brincadeiras). A gente demorou para sair da casa da sua avó e também para deixar seu pai no trabalho. O intervalo até você sentir fome de novo era curto, mas eu estava confiante e armada de pão e banana. Você apresentou sinais de sono e eu, inocente, comemorei a pequena possibilidade de você dormir no carrinho e facilitar minha "missão" - quem sabe não resolvo muito mais coisas?

Chegamos e fomos buscar o carrinho que o shopping empresta. Até lá, você foi no colo, tranquilo. Mas foi eu colocar você no carrinho para começar a revolta. Distraí você com maestria, mostrei os livros, dei brinquedos, rebolei (algumas vezes, literalmente). E você ficou lá... uns 15 minutos! A verdade é que o carrinho era bem desconfortável e você ficava escorregando. Coloquei você no chão e deixei você andar. Agora que aprendeu, você fica todo empolgado querendo treinar  essa nova habilidade. A diversão é andar. Deixei você escolher o caminho, distraí quando quis entrar em alguma loja, corri para você me pegar quando quis indicar a direção. Tudo certo. Aí você viu um parquinho gratuito, com uns escorregadores próprios para a sua idade, e eu comemorei. "Vamos cansar o menino e aumentar as chances do combo carrinho + soneca" (tudo errado! rs) Nem três minutos naquele lugar e sinto um cheirinho horrível e familiar: a fralda suja. "Ferrou! O espaço com o trocador fica no outro andar e para chegar até o elevador vou ter que atravessar o shopping todo!"

Deixei você brincar mais um pouquinho, avisando que em breve trocaríamos sua fralda e me dando um tempo para pensar no que fazer. Trocar você ali mesmo não parecia uma boa ideia. Você estava sem pomada para assadura, que eu havia esquecido em casa, então não dava para enrolar. Tentei pegar você no colo, você sacudiu os bracinhos afastando a minha mão e correu para longe. Tentei uma segunda vez e você gritou. Ok, pensei, vai ser no "modo hard". Tentei usar a empatia. A gente tinha acabado de chegar ali e se fosse comigo eu também não gostaria de parar a brincadeira para fazer algo tão chato como trocar fralda. Avisei que precisávamos sair dali, mas que poderíamos voltar depois, saí do espaço e comecei a chamar sua atenção para as luzes das lojas. Comecei a brincar de me "esconder", saindo do seu campo de visão. Você riu e veio atrás.

E dá-lhe criatividade. Brinca de pique, corro, abaixo atrás dos vasos de plantas, invento de colocar você para empurrar o carrinho para garantir que você fosse na direção que eu precisava. Usei doses cavalares de paciência e, QUARENTA E CINCO MINUTOS DEPOIS (!!!!!!!!!!!), chegamos ao elevador!! Ufa!! O mais difícil foi. Aí, eu toda orgulhosa de mim, com minha autoconfiança nas alturas por ter conseguido inventar tanta coisa para evitar uma crise, saio do elevador com o peito estufado. E você corre para a direção oposta da que precisamos ir!! Tento TO-DAS as brincadeiras novamente e nada. Abaixo na sua altura, converso, explico... E NADA! Você dá linha e se afasta cada vez mais de onde eu quero ir. Pego você no colo. E começa o escândalo.

"Eu sei, filho, eu sei que você quer ir para lá, mas agora não dá mais para negociar." - digo pensando no tempo em que você está de fralda suja.

Tento colocar você de volta no carrinho. Você esperneia, chora, se estica e fica duro igual a uma tábua, impossível fechar a trava. Pego você novamente no colo e você escorrega igual quiabo. Se joga no chão, gira, chora, esperneia. Todo mundo para pra nos assistir. Olho o relógio e percebo que já passou da hora do seu lanche. Vejo você coçando os olhinhos. "Ótimo! Frustração, sono e fome. Não tenho a menor chance!".

Tento pegar você no colo, você tenta se afastar tão bruscamente que mete a cabeça no chão e grita ainda mais alto. "Frustração, sono, fome e dor. Agora já era!" Respiro fundo umas 30 vezes, segurando o impulso de te dar uns tapas, pegar você bruscamente do chão e socar de volta no carrinho. Lembro de tudo o que li sobre desenvolvimento infantil e sobre a crise emocional que as pessoas chamam de birra (esse texto maravilhoso aqui e este outro aqui). Sabia que agora que ela havia iniciado, não tinha mais jeito. Tinha que esperar passar e tentar manter a calma enquanto isso para não piorar a situação. Mas você estava sujo de cocô, sem pomada de assadura, com fome. E eu não podia resolver nada disso ali.

Firme, mas tentando não te machucar, pego você no colo. Você se joga para trás e berra ainda mais. Saio feito louca empurrando o carrinho com você atravessado em meus braços, com a cabeça para baixo, fazendo um esforço absurdo para sair do lugar sem deixar você cair no chão. Você se sacudia e berrava enlouquecidamente. O carrinho ia para aonde bem queria. E eu fui assim, como uma direção de bêbado, com você quase de cabeça para baixo, a passos de formiguinha, até o espaço família do shopping, fingindo não perceber todas as pessoas paradas pelo caminho olhando o "espetáculo" (para ajudar a empurrar o carrinho não apareceu um!!).

No percurso, que pareceu durar uma eternidade, enquanto eu me sentia como a Cersei, de Game of Thrones no "walk of shame", eu repetia para mim mesma: "Não é pessoal, Renata, ele não tem controle sobre suas emoções. Você é o adulto, mantenha a calma e não piore as coisas. Ninguém tem nada a ver com sua vida, ignore os olhares. Respire fundo e ajude seu filho a passar por isso."

Ao mesmo tempo, de tempos em tempos eu falava com você algo como:

"Eu sei que você está bravo, filho, eu entendo. Mas tem coisa que não dá para negociar. Agora temos que trocar a fralda" (esse foi o "mantra", repetido umas 15 vezes)

"Eu sei que você quer brincar, mas você está sujo há muito tempo. Quando você estiver de fralda limpa a gente brinca mais, tá?"

Ou ainda:
"Eu sei, você está com sono, né, filho? Você está com sono e com fome. A mamãe vai te ajudar."

"Filho, mamãe te ama muito. Por isso não posso deixar você fazer tudo o que quer sempre. Tem horas que o André escolhe, tem horas que a mamãe decide."


Parece lindo, né, filho? Mas eu estava com um ÓDIO interno!!! Uma vontade de gritar, de jogar você no chão e sair correndo dali fingindo que não era comigo. Acho que eu falava as frases acima mais para me justificar com as pessoas em volta do que para acalmar você. Essa era a verdade. Eu estava muito, muito frustrada, pensando: "poxa, eu fiz tudo certo, eu tive uma paciência de Jó, e nem assim funcionou" (hoje percebo que levar uma criança com sono e com fome para um shopping não é exatamente fazer "tudo certo", mas só percebi isso muito tempo depois).

Finalmente, chegamos ao espaço família. Ufa! E tivemos a troca de fraldas mais demorada e complicada da história, ao som de muito choro e berros, com você rolando para fora do trocador, sacudindo as pernas para que eu não te segurasse e quase caindo da bancada algumas vezes. Eu bufando por dentro, querendo gritar e machucar você (#sincerona), mas me esforçando na cara de paisagem. A funcionária responsável pelo local veio até a gente, gentil e sorridente, brincou com você, trouxe um por um os brinquedos do lugar (até você se interessar por um deles), até me emprestou uma pomada para assaduras e ficou com você enquanto eu lavava a mão direito (por que, né?, com você se sacudindo daquele jeito com uma fralda bem recheada, eu tinha muito o que me limpar). Finalmente alguém que entende e gosta de criança num lugar desses!!! Nem um olhar torto, nem uma torcida de boca, nem um olhar de julgamento. Gentileza e boa vontade.  Que Deus te abençoe, moça que nem perguntei o nome. Conseguiu acalmar eu e você.

Passada a crise, os minutos seguintes não foram mais fáceis: dar comida, tirar você de frente da galinha pintadinha da brinquedoteca, devolver o carrinho do shopping, pagar o estacionamento e entrar no carro. QUE MA-RA-TO-NA!!!!! Qualquer passo em falso e você  ameaçava berrar. O choro foi inevitável em alguns momentos, mas com muito beijinho, colinho e paciência, consegui evitar uma nova crise. Mas voltei para casa sem os presentes!!! Foram 2h30 para chegar, pegar o carrinho do shopping, ficar 5 minutos no parquinho, ir até o espaço família, devolver o carrinho e voltar para o carro. DUAS HORAS E MEIA!!!

Você dormiu em menos de 10 minutos, ainda no carro. Eu estava exausta como pouca vezes na vida!! Eu coloquei você dormindo na sua cama, soquei uns travesseiros de tanta raiva, desabafei com o seu pai via WhatsApp, engoli o choro e acabei dando risada sozinha.

Afinal, eu sabia que esse dia chegaria. E sei que ele vai se repetir. Poderia ter feito algumas coisas bem diferentes, mas, olha só, eu não gritei, eu não bati em você, eu consegui colocar em prática pelo menos uma parte do que aprendi. Sobrevivi!!! E você também!! Olha que eu tenho mais chance de me sair bem nessa história de maternidade do que eu imaginava! Mas, antes de comemorar, vamos ver como irei me sair na próxima vez! =)


Vitória, 7 de outubro de 2016 - 1 ano e 4 meses

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1 comentários no blog:

Eline de Paula disse...

Minha nossa. Parabéns Renata! Foi muita respiração e suor. Estava sentindo tua dificuldade e superação a cada linha. Ter o conhecimento ajuda bastante, principalmente por saberes que o "piti" não é uma falha sua como Mãe e sim algo que naturalmente poderia acontecer. Força nas leituras e no Ioga.Enquanto isso sigo aqui aprendendo um pouco.
Xero

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