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Há 2 anos :) |
Eu tenho certeza que já comecei a
escrever essa carta algumas vezes, André, mas não consigo achar meus rascunhos. Então, vamos recomeçar. É algo que tenho vontade de dividir com você há
muito tempo, mas que me parece especialmente propício para ser dito hoje, Dia dos Pais. A inspiração é antiga, de uma reportagem que eu fiz quando
ainda trabalhava no jornal, antes de você existir. O título já era bem
sugestivo por si só e me colocou para refletir sobre algo que hoje eu acredito
profundamente: “Deixe o pai cuidar... do jeito dele!!!”
Sabe, filho, finalmente vivemos
numa sociedade que começa a valorizar e até a exigir a participação ativa do
pai na educação de seus filhos. Isso é ótimo! Tanto para os pais, quanto para
os filhos! É a criação de um vínculo, uma oportunidade de vivenciar tanta coisa
engrandecedora que eu realmente fico com uma certa pena do pai que perde esses
momentos (tá, fico com um pouco de raiva também por estarmos numa sociedade em
que a paternidade é opcional, mas isso já é outra questão). Mas essa reportagem,
sugerida por uma psicóloga ao jornal, me chamou atenção para algo que eu nunca havia notado antes: muitas vezes são as próprias mulheres que afastam
os pais de seus filhos, que não dão a eles a chance de participação!! E não estou falando de alienação parental. Nem de pais ausentes ou pais de Instagram. Não é sobre quem mal paga pensão alimentícia. Estou falando de pais que querem ser presentes, que estão ali ao lado de seus filhos, mas que enfrentam resistências e machismo de suas próprias companheiras (ou ex-companheiras). Calma, eu vou explicar.
Parece
óbvio e simples que as mães precisam dar espaço aos pais para que eles possam
participar. E parece absurdo imaginar que existem mães que não queiram isso!
Afinal, pais participativos não é tudo o que nossa sociedade pede hoje? Pois
foi o que eu pensei quando escrevi a matéria: “gente,
que coisa óbvia e
absurda, não é possível que existam mulheres tão sem-noção!” E aí... A vida
aconteceu. A cusparada caiu na testa!
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Lendo para você com menos de 6 meses |
Sim, filho, quando você nasceu,
eu me peguei sendo essa mãe! A mãe machista que acredita que o homem não vai
saber cuidar de seu próprio filho, que não vai saber escolher a roupa certa,
que não vai saber como você gosta de ser ninado, que precisa de mil instruções
e explicações e roteiros detalhados para cada troca de roupa ou preparação de papinha. Quer dizer, para
ser honesta, não fui quem percebeu isso: foi o seu pai que veio reclamar disso
comigo!! Graças a Deus!!!
Vivemos em uma sociedade que diz
o tempo todo que nós, mulheres, temos um instinto maternal inato. Que saberemos
automaticamente identificar choros, que já trazemos dentro da gente o conhecimento
sobre como cuidar do bebê, como carregá-lo, como niná-lo, como fazer tudo o que
é preciso para o seu bem-estar. Como se tudo isso, em vez de aprendizado, fosse DNA. Os pais, por outro lado, são aquelas pessoas
sem jeito, que não sabem o que fazer, que são incapazes de se virarem sem
ajuda, que só servem para a diversão, não para as decisões sérias e trabalhosas. Basta olhar as “homenagens” e as “brincadeiras”
em torno do Dia dos Pais.
Quantas vezes vemos memes com uma criança toda arrumadinha e outra toda
bagunçada e a frase: “Adivinhe quem estava com o papai?" – e a "resposta óbvia" é
a criança suja e desarrumada. Ou uma foto de uma casa de pernas para o ar e frase: "Quando papai fica sozinho com as crianças em casa". Em resumo, a mãe sempre
sabe o que fazer. O pai é
um perdido e, caso tenha boa vontade de participar da criação de seus filhos,
precisa ser guiado por alguém que “sabe melhor” ou tudo vai virar caos. As
crianças vão brincar até morrer, mas não vão fazer coisas importantes como
comer, escovar os dentes e respeitar as regras da casa. Eu achei
que seria imune a esse preconceito. Não era!!!
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Há um ano, mais ou menos |
Quando a ridícula
licença-paternidade do seu pai acabou, eu passava umas 8 horas por dia sozinha
com você. Era normal que eu e você tivéssemos mais intimidade, que eu visse
suas conquistas de camarote, que a gente criasse brincadeiras exclusivas das
quais seu pai não participava. E quando o seu pai chegava do trabalho, em vez
de eu deixar que vocês tivessem tempo para fazer o mesmo, em vez de entender
que a diferença entre nós era apenas o tempo disponível para você, em vez de
lembrar que eu nunca acreditei nessa coisa de instinto materno e sempre defendi
a maternidade/paternidade como escolha e aprendizado... Em vez de tudo isso, eu
ficava atrás do seu pai dizendo como ele deveria cuidar de você. “Ele gosta assim”, “Essa roupa
que você escolheu não é boa por causa disso”, “Não faz assim porque ele não
gosta e vai chorar”, “Eu já não disse ontem que ele não está mais curtindo esse
brinquedo?” e mais uma infinidade de “faça assim, não faça assado”.
Eu
acreditava piamente que estava ajudando o seu pai a “recuperar o tempo perdido”,
apenas passando para frente o que eu havia aprendido. E não percebia que, no
fundo, a mensagem ouvida é: “eu sei fazer, você não sabe”. No fundo,
ficar olhando por cima dos ombros do seu pai a cada atitude dele com você é não
confiar que ele pode ser um bom pai sem supervisão, é não acreditar que ele pode passar
pelo mesmo processo de aprendizagem que eu passei. É esquecer de uma premissa
básica, simples e, ao mesmo, muito difícil para nós mães aceitarmos: nossos
filhos não precisam ser cuidados exatamente como a gente cuida para serem bem
tratados!!! A nossa forma de cuidar não é A melhor e A única. É apenas uma. E
nossos filhos são fortes e inteligentes o suficiente para se adaptarem a
contextos diferentes, para entender que existe o jeito da mamãe, o
jeito do
papai, o jeito das vovós, os jeitos das titias. Dar espaço para os pais é confiar
nos nossos filhos, acima de tudo, é ter humildade para aceitar que nós não
somos insubstituíveis! Outras pessoas sabem cuidar de nossos filhos tão bem quanto nós.
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O melhor colinho |
E, muitas vezes, essa atitude das
mães é extremamente castradora para os pais. Eles recebem o tempo todo
mensagem de que eles não vão saber o que fazer, que eles não têm a mesma
capacidade que nós, mães, que eles não são o suficiente, que eles não têm o mesmo instinto, o mesmo bom gosto, a mesma paciência, nem mesmo
o mesmo amor (amor de mãe é amor de mãe, né? #menas). E o que acontece com muitos
desses pais? Eles se afastam. Seja por medo de fazer algo errado e prejudicar seu
filho, seja por insegurança de tomar uma decisão e ser criticado por isso, seja
porque ele ama tanto seus filhos que quer o melhor para eles (e toda a sociedade
diz o tempo todo que quem sabe o que é o melhor é a mãe). Mensagens sutis,
subliminares, que com o passar dos meses – dependendo da personalidade desse
pai e dessa mãe – se torna uma muralha instransponível! E eu já vi isso
acontecer. Quem não conhece o pai que brinca, brinca, brinca e, quando a
criança chora, ele chama a mãe desesperado?
Por sorte, o seu pai, em vez de
se retrair, brigou! Reclamou! E bateu o pé! E me mostrou o quão machista eu estava sendo com
ele. “Você acha que não sou capaz de cuidar do meu filho?” ou “Renata, você
quer cuidar dele do seu jeito ou eu posso tentar achar o meu?” – me disse seu
pai mais de uma vez com uma cara bem brava (não me lembro se frases foram
exatamente essas, mas foi algo por aí).
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Procurando o papai |
E então caiu a ficha. Eu estava
me transformando naquela mãe que eu ridicularizei quando fiz a reportagem. Eu percebi que o alerta da psicóloga não era óbvio ou
desnecessário! Eu descobri que minhas inseguranças como mãe me levaram a me
reafirmar diminuindo qualquer pessoa a minha volta que tentava cuidar de você. Insegurança que vinha em forma de uma vozinha interna que gritava: “vocês
nunca vão cuidar tão bem dele quanto eu, porque EU sou a mãe e EU sei o que é
melhor. SEMPRE!”
E mesmo quando a ficha caiu,
filho, foi difícil. Caramba, André, eu que me achava super feminista e desconstruída,
estava ali, reforçando esse machismo. Eu tinha que me segurar para não criticar
a forma como seu pai estava cuidando de você, eu tinha que quase usar uma
mordaça para segurar meu impulso quase automático de dizer “assim, não”, “assim
ele vai chorar”, “ele vai cair”, “essa roupa não combina” ou qualquer outra
crítica que vinha quase como uma explosão incontrolável quando eu via seu pai
cuidar de você de um jeito diferente do meu. Eu admito. Foi difícil. Muito
difícil. Exigiu muito autocontrole.
Mas eu me esforcei. E sabe o que
eu vi? Que aquele jeito “errado” de brincar com você também podia ser muito
divertido e fazia você gargalhar. Que mesmo fazendo de um jeito muito “esquisito”
para mim, seu pai também era capaz de acalmar você ou fazer você dormir. Que o “jeito
errado” também dava certo. E que por mais que eu quisesse ou precisasse
acreditar no contrário, eu também não sabia o que estava fazendo e também
estava aprendendo. E que seu pai só iria aprender se tivesse tempo de
experimentar com você. E, assim, encontrar o seu próprio jeito, particular e
especial, de educar você. E criar essa relação linda, de cumplicidade e
brincadeiras próprias que hoje você e seu pai têm.
Sim, filho, mãe é mãe. E pai é
pai. Os dois são insubstituíveis. E os dois precisam de espaço para aprender
como exercer esse papel. E se nós, mães, temos ao nosso lado homens que
escolheram a
paternidade e que querem ser pais, nós temos que fazer a nossa
parte: incentivar a participação, deixar que eles experimentem, adubar e não
minar a autoconfiança deles. Nossos filhos não precisam ser tratados exatamente
como a gente os trata para estarem bem cuidados e serem felizes. Vamos deixar os
pais cuidarem. Do jeito deles!!!
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Slingando na praia (7 meses) |
PS: Feliz Dia dos Pais, papai do
André! Por ser esse pai maravilhoso que você é e por ter, inclusive, colocado "limites" na minha maternidade. É ótimo saber que somos parceiros e que
podemos aprender um com o outro, ora “tudo
junto e misturado”, ora “cada um no seu quadrado”. Você é um exemplo de pai!
Vitória, 13 de agosto de 2017 –
Dia dos Pais – 2 anos e 2 meses
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