quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Pingo ou paratleta?

Postado por Mãe do André às 20:12
Peço licença mais uma vez para colocar um texto fora de ordem, para não perder o contexto do momento! :)


Paralimpíada e emoção: muito além do esporte
Ontem, a Paralimpíada do Rio de Janeiro chegou ao fim, filho. Um evento que só de citar já me deixa emocionada com os exemplos de garra, força e superação desses atletas. Confesso que estou um pouco frustrada por que não consegui acompanhar esse evento de perto como eu gostaria. É algo que mexe comigo, queria ter visto tudo. E a cada imagem que vejo, a primeira coisa que vem à minha cabeça é a trajetória daquelas famílias. Penso nos atletas. E penso também em suas mães. Eu sempre penso nas mães. Fico tentando imaginar como deve ter sido a infância deles, suas histórias. Pensando em como essas mães lidaram com diagnósticos, tratamentos, rótulos e preconceitos. Em como eles perceberam que por trás da "limitação" havia um atleta E aí eu me lembrei do Pingo e da reflexão que esse personagem anda me obrigando a fazer desde que chegou à nossa casa...

Pingo é um pinguim verde, o personagem principal de um livro de banho que chegou aqui em casa por conta do clube do livro que assinamos para você. André, você amou o livro. Não só porque ele é colorido e fácil de manusear, mas também porque vem com um pinguim de corda que nada na banheira (no início você teve medo, mas logo superou).  Pois bem, a história é que Pingo sabe que é uma ave e, por isso, quer voar. E não entende por que não consegue. Até que ele encontra uma tartaruga que diz: "você é um pinguim, não pode voar, mas sabe nadar muito bem". Então Pingo experimenta dar um mergulho e fica superfeliz, termina o livro dizendo que nadar é muito melhor do que voar (mesmo que ele nunca tenha voado na vida ou simplesmente conversado com um pássaro para saber como é, rs).

Assim que acabei de ler o livro pela primeira vez fiquei meio paralisada tentando entender como  reagir à história. Dois sentimentos opostos gritavam dentro de mim. O primeiro achava aquilo um absurdo, uma forma de ensinar conformismo às crianças, de incentivá-las a desistir dos seus sonhos. Pensei: "humanos também não podem voar e isso não impediu Santos Dumont!" Lembrei do Dumbo, que lia na infância, e de como a história do elefante que voava me dava esperança e confiança de que eu poderia fazer tudo o que eu quisesse. Nesse sentido, Pingo é um tapa de realidade na cara, um tapa que talvez - talvez! - não devesse ser dado em crianças tão pequenas quanto você.

Mas logo em seguida, respirando fundo, eu me perguntei se o que está faltando a essa geração de hoje não seria justamente um pouco mais de Pingo em suas vidas. Vejo homens e mulheres buscando corpos que não são os seus, querendo os mesmos resultados de pessoas com talentos e histórias completamente diferentes das suas. Será que se existissem mais mães com coragem de ser a tartaruga de seus filho nós iríamos ver tantas pessoas pagando mico na vida e na TV, acreditando que tem talentos incríveis quando não têm? Pessoas que acreditam que são cantores, bailarinos, artistas e empresários maravilhosos, mas que estão longe disso... Sempre que vejo um programa desses de talent show eu me pergunto se essas pessoas não têm mãe, pai ou mesmo um único amigo de verdade que tenha coragem de dizer: "não, você não tem esse talento, você é horrível nisso!" Por que, veja bem André, Pingo não ficou depressivo no final do livro porque ele nunca iria voar. A tartaruga mostrou que, apesar de não ser capaz de voar, um pinguim é um excelente nadador, coisa que nenhuma outra ave é capaz de ser (e, pensando bem, um passarinho bem que poderia estar lá no alto olhando Pingo e reclamando "poxa, queria tanto ser capaz de nadar assim debaixo d'água!).  
Os super-heróis das Paralimpíadas e do ParaPan

Meu papel como mãe não é também esse? Ajudar você a ser a melhor versão de você mesmo, independentemente do que está na moda, do que "dá dinheiro" ou do que é bem visto pela sociedade? Mostrar que, se você for magrinho como o seu pai (só para dar um exemplo), se matar na academia, com dietas malucas e shakes de proteína em nome de um padrão estético pode ser um caminho muito mais infeliz e difícil do que focar naquilo que você realmente é? Por que todos nós temos talentos, filho. Todos nós temos potencialidades. E é muito mais importante nos conhecermos e nos descobrirmos verdadeiramente do que corrermos atrás de um modelo irreal, inatingível ou atingível a um preço muito alto. E eu gostaria de ser uma mãe corajosa o suficiente para dizer: "não, você não é o mais bonito da turma", "você não tem talento para ser um músico famoso", "você não é bom de futebol" (ou qualquer outro modelo de sucesso que esteja em alta daqui a 15 anos). Claro que, ao mesmo tempo, ajudando você a descobrir o seu talento, aquilo em que você é único e especial. Todos temos uma força. O segredo da felicidade nessa vida não está, justamente, em focar naquilo que temos de bom em vez de lamentar o que não temos ou não podemos? O segredo do sucesso não está em conhecer nossas potencialidades?

Prego ou parafuso, que você seja quem você é, André!

Mas aí vieram as Paralimpíadas do Rio de Janeiro. E com elas o cego que quis jogar futebol, o cadeirante que sonhou em fazer manobras radicais, a bailarina sem pernas, o senhor sem braços que decidiu atirar flechas, jovens sem membros que perceberam que podiam nadar como peixes. Todos esses "pinguins" que quiseram e voaram, destruindo os conceitos do impossível, quebrando as barreiras dos talentos tradicionais, redefinindo conceitos de vocação. Quantas tartarugas eles ouviram pelo caminho? E o que teria acontecido se eles tivessem acreditado nelas? O que seria desses paratletas se eles tivessem acreditado que não podiam voar? Qual é o limite entre conformismo e realidade? Entre aceitação e superação?

Tudo o que eu queria agora era poder conversar com as mães desses atletas. Aprender com suas experiências, ouvir tudo o que elas aprenderam nessa vida. Por que eu sei que palavra de mãe tem força, filho. Eu sei que o incentivo e o descrédito de uma mãe tem um peso grande na vida dos filhos, André. E eu não quero ser a tartaruga de um Dumbo, nem a incentivadora de um Ícaro (veja mais aqui).


Pelo sim, pelo não, o livro do Pingo continua no box do banheiro. Mas talvez seja a hora de comprar também o livro do Dumbo para você.



Vitória, 19 de setembro de 2016 - 1 ano, 3 meses e 20 dias

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